Pedro Cota, presidente do conselho de administração da Azores Film Commission, explica em entrevista porque os Açores podem ser um excelente destino de rodagem de filmes, defende a criação de um Fundo de Apoio ao Cinema e revela a intenção de fazer um festival internacional nas ilhas.
Quando é que foi criada a Azores Film Commission e quais os seus objectivos?
A Azores Film Commission foi criada há aproximadamente um ano e tem o objectivo essencial de desenvolver o audiovisual e multimédia nos Açores. Isso leva-nos a apostar em projectos inovadores e na formação, através da celebração de protocolos e da entrada em redes internacionais que nos permitam projectar o nome Açores.
Em que projectos a Azores Film Commission está envolvida?
Com a ajuda do Governo, apoiámos a realização de um filme internacional filmado em São Miguel – “La Succession de Starkov”, do realizador François Jacques Ossang – que tinha na sua previsão inicial a rodagem de 50 por cento das suas filmagens nos Açores mas que acabou por ser rodado em 95 por cento aqui na Região. Também com o apoio do Governo Regional, integrámos a representação portuguesa no Festival Internacional de Cinema de Cannes, onde fomos responsáveis pela promoção da região Açores como potencial destino para a rodagem de filmes. Já realizámos também uma formação em São Miguel sobre cinema e todo o processo produtivo e temos diversas actividades previstas.
Como é que foi representar os Açores em Cannes, num dos mais importantes festivais de cinema do mundo?
Cannes é um acontecimento fantástico ao nível do cinema, porque aquilo que é a sua imagem pública, que são as estreias de filmes, a entrega de prémios e o ‘glamour’ à volta das estrelas de cinema, na verdade é apenas uma parte do Festival de Cannes. Paralelamente a isso, há toda uma série de serviços que acompanham o festival ligados ao mundo da produção e que ali vão promover as suas regiões ou países como destinos de rodagem de filmes. Isso é muito importante porque é ali que aparecem os produtores que querem saber onde é que podem filmar pelo mundo inteiro e em que condições. Nós não fomos a Cannes atrás do ‘glamour’ e das celebridades… Fomos sim atrás do mundo da produção para tentar referenciar os Açores como um destino de rodagem de filmes para os produtores mundiais, isto porque acreditamos que os Açores têm características que são muito úteis ao mundo da realização.
Os Açores, pelas suas características naturais, podem ser um atractivo especial para a rodagem de filmes?
Os Açores podem ser muito especiais. Temos uma paisagem única e condições climáticas que para uns podem ser um problema, mas para outros pode até nem ser, e veja-se o caso da bruma… Temos bruma natural em vários dias durante o ano, quando para produzir bruma artificialmente num filme é preciso alguns milhares de euros. Temos para além disso a nossa riqueza humana e social, com eventos e comemorações que podem ser uma mais-valia em certos filmes. Por fim, há também a parte financeira e técnica, onde temos desde logo a vantagem das licenças. Obter uma licença de rodagem de um filme num certo local nos Açores ainda é muito simples e quase gratuito… Com boa vontade, faz-se quase tudo nos Açores, desde fechar uma rua a filmar no aeroporto ou mesmo numa lagoa, quando em outros destinos conhecidos da produção cinematográfica essas coisas ainda são muito caras. As nossas taxas de IVA a 14 por cento são também, num contexto nacional e europeu, relativamente baixas e podem ser uma mais-valia.
Que tipo de filme tem melhores condições para ser rodado nos Açores? Talvez os chamados ‘filmes de autor’?
Realmente, para o ‘cinema de autor’ os Açores são um local preferencial porque logisticamente são filmes que exigem menos recursos. Mas o que nós pretendemos que aconteça nos Açores é a atracção de produções que tenham uma base de construção comercial. Se formos ver o que existe actualmente de apoios ao cinema, temos o Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual, que exige que o processo tenha um retorno financeiro e não seja só um filme que se paga a si próprio com o apoio e depois nem se pensa na sua distribuição e no seu público-alvo. Uma das vantagens de toda a actividade ligada ao cinema é a da promoção de uma região e é por isso importante que os filmes que para cá venham tenham garantia de visibilidade e de procura. O filme que apoiámos cá tinha presença garantida no Festival de Veneza, mas como o processo se atrasou, infelizmente não foi possível o filme ir a Veneza mas irá ao Festival de Cannes. É isto que nós procuramos.
Com o cinema português em crescimento e com alguns sucessos comerciais recentes, não seria até mais atractivo para a Região apostar primeiro no mercado nacional, atraindo produções portuguesas?
Por razões óbvias de proximidade, o mercado nacional tem para nós um peso especial, até porque torna a deslocação de meios humanos e materiais mais simples. Acredito que será o mercado nacional quem mais nos procurará para filmar numa primeira fase. Temos tido muito empenho nisso e contactos com produtores e realizadores nacionais no sentido de perceber a sua vontade de para cá vir. Agora, há duas situações aqui: a daquele realizador ou produtor que esteve cá e se apaixonou pelos Açores e aí essa produção virá sem contar com apoios; mas há também aquela produção que só virá para cá se encontrar aqui algum apoio, que mais não seja só na facilitação de contactos e aqui a Azores Film Commission é importante.
Já falámos dos mercados nacional e internacional, mas nos Açores há condições para haver produções cinematográficas locais?
Não vejo porque não. Há todas as condições para se fazer cinema nos Açores e a questão é ter bons projectos e termos vontade de que os nossos filmes não sejam feitos por açorianos para açorianos…
Na sua actividade à frente da Azores Film Commission e por exemplo recentemente em Cannes, já teve oportunidade de conhecer alguma personalidade do mundo do cinema, nacional ou internacional?
Portuguesa, sim… Um grande número de realizadores e produtores esteve presente em Cannes. Portugal promoveu aliás uma festa e foi aí possível estabelecer diversos contactos com realizadores e produtores, alguns deles por trás já de projectos que temos em preparação. Estamos actualmente em conversações com o Governo Regional para trazer grandes projectos para os Açores que eu acredito que serão o ‘salto’ para o desenvolvimento da cinematografia na Região.
Estamos a falar num filme de quem?
Não lhe falei num filme… Imagine a realização de um grande festival internacional nos Açores, e mais não posso dizer porque está tudo ainda em projecto…
Qual foi até agora, no seu entender, o momento no qual o nome dos Açores chegou mais alto, seja no cinema em particular, seja no audiovisual em geral?
Para mim, o momento mais alto, se me permite não falar de cinema, foi a telenovela ‘Ilha dos Amores’, que foi gravada nos Açores e foi até agora o nosso momento mais alto enquanto destino de produção, com projecção nacional continuada e que contribuiu para difundir os Açores no público continental. O problema é que, até agora, só temos tido momentos pontuais de projecção, nos quais os Açores aparecem mas depois somem-se a seguir…
E como se pode inverter essa realidade?
Por exemplo através de um dos objectivos da Azores Film Commission, que é o de criar uma estrutura que seja capaz de desenvolver as áreas do cinema, do audiovisual e do multimédia, com uma acção continuada nessas áreas. Temos tido apoio do Governo Regional para a realização de diversas actividades, mas achamos que é preciso criar nos Açores um Fundo de Apoio ao Cinema e ao Audiovisual que seja capaz de obedecer a um plano de trabalho, com objectivos definidos e que seja capaz de desenvolver essas áreas localmente. É importante que haja uma estrutura financeira, logística e humana que esteja continuamente a trabalhar na atracção de eventos audiovisuais, do cinema à publicidade, apostando no desenvolvimento local dos recursos que já temos.
A Azores Film Commission poderia ser a entidade gestora desse Fundo?
É essa a nossa grande convicção…
in Ao