Referindo-se às declarações de Bento XVI sobre o uso do preservativo no combate à sida, o bispo das Forças Armadas defende que o Papa devia ser melhor aconselhado. Fala ainda da crise e do fosso social entre ricos e pobres.
D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, ajudou a responder à questão colocada num dos quatro “Colóquios sobre Fé”, promovidos pelas paróquias de Matriz e Santa Clara: será que a sociedade actual é cristã? Em entrevista, dá a sua opinião não só sobre a importância da doutrina cristã nos nossos dias, mas também sobre a crise, o casamento homossexual e o uso do preservativo.
Esta crise resulta de uma sociedade cada vez mais individualista?
É o resultado de uma sociedade de corruptos, onde há tubarões. Os tubarões do capitalismo! Não me venham dizer que esta crise foi provocada pelo sistema comunista ou pelo Bloco de Esquerda. Não vou dizer que foram outros partidos. Agora, não foi ninguém que estava filiado nestes partidos.
Rouba quanto mais puderes, para mais subires na vida… Isso é o que acontece! Acho que é um insulto à gente que nada tem o tipo de vida que determinadas classes levam e determinado tipo de imprensa que é o espelho do que há de mais medíocre e miserável na sociedade portuguesa! Há culpas muito sérias na sociedade portuguesa! E num ano de eleições… Sou contra a insegurança, sou contra a violência e não posso concordar que os salários não aumentem. Não poderia haver uma lucidez maior da economia? Uma crise cria novas oportunidades… Tudo bem, mas não consigo evitar um mau pensamento… Aqueles que têm vão servir-se do nada para terem ainda mais, porque não há auto-regulação. Isto é a exploração dos outros! Não tenhamos medo de o dizer: é a exploração do homem pelo homem. Marx disse-o e autores anteriores usaram também esta linguagem clássica.
O Estado, depois de tantas promessas, arranjou amigos de tertúlia… Fulano esteve como secretário de Estado, como chefe de gabinete e já sabia que havia de chegar a altura do Paraíso! E qual é o Paraíso? Vais para uma grande empresa! Isto é o repartir do bolo entre um grupo de amigalhaços! Não se trata de tirar aos ricos para dar aos pobres! Trata-se de estabelecer critérios proporcionalmente equitativos. No momento de aumento salarial, os que têm responsabilidade mais alta, exponencialmente dão um salto para o infinito, os outros têm um pequenino aumento e ficam – em linguagem militar – a marcar passo.
A Igreja tem sido acusada de irresponsabilidade, depois das declarações do Papa em África a condenar o uso do preservativo no combate à sida… Qual é a sua opinião?
Tenho muita pena! O Papa é como um pai. Mas posso discordar…
E qual é a sua opinião?
A minha opinião é que há situações tão graves de doença que justificam utilizar os métodos que os médicos advogam, para respeitar também a vida. O problema é que o preservativo é visto como uma forma fácil de alguém começar a calcorrear os caminhos de uma sexualidade desviada. Mas (a sida) é uma lepra! Em determinados assuntos é preferível não tocar! Acho que o Papa tem companhias menos boas… Tenho pena! Devia ser melhor aconselhado. Não vale a pena entrar em certas denúncias, a não ser no limite! E mesmo no limite é preciso não fechar o diálogo!*
Paula Gouveia (in AOriental)
