A LEGITIMIDADE DA RUA – por João Mendonça Gonçalves

A LEGITIMIDADE DA RUA 

 

     O passado dia 24 de Novembro fica marcado pela greve geral convocada pela CGTP e UGT, a segunda greve geral organizada conjuntamente por estas organizações sindicais, contra o que designam por “recessão económica e o retrocesso social, o agravamento da exploração dos trabalhadores, e o empobrecimento generalizado da população e do país”. Estas palavras de ordem podem ler-se na “Saudação aprovada na Manifestação da CGTP-IN em Lisboa”, que vale a pena prescrustrar, não vá a mesma servir de inspiração aos Gato Fedorento.

 

O inspirado sindicalista escreve aí que houve uma “enorme adesão (…) do sector privado e do sector público” e um “apoio expresso ao nível da opinião pública”. Lê-se, também, o argumento clássico acerca do “trabalho forçado; da subversão da Constituição através de propostas que visam legitimar os despedimentos sem justa causa” e, sem que a linguagem não fosse forte o suficiente, “ o roubo dos subsídios de natal e de férias”.

Este é um texto oficial da CGTP e que está disponível no seu site.

 

É difícil quantificar essa enorme adesão. O Governo fala em 10%, os Sindicatos dos Quadros Técnicos do Estado apontam para 80%. Se, como diz o ditado, no meio é que está a virtude, fiquemo-nos pelos 45%, porque estas guerras de números já são um habitué de cada vez que se convocam greves. Já no que se refere ao apoio da opinião pública, aqui é que o entusiasmo do escritor da Saudação foi mais longe que Neil Armstrong. Em abono da verdade, não existem dados que nos permitem concluir aquilo que a CGTP afirma. Ela fá-lo como instrumento de galvanização e mobilização dos trabalhadores. É verdade! É legítimo!  Mas não é pelo facto da China se designar oficialmente República Popular da China que passa a ser um país muito democrático…! Em última análise, só poderemos comprovar a solidariedade da opinião pública para com os grevistas através de sondagens (que não sejam feitas na Soeiro Pereira Gomes, sfv). E, desde já, arrisco a dizer que, pelo menos empiricamente, a opinião pública não parece estar assim tão ao lado dos de vermelho (a não ser que seja para ver o Glorioso porque aí até eu uso e abuso  da cor do PCP e do BE – quando não usam bandeiras fracturantes).

 

     O protesto contra as alterações nas leis laborais é o de sempre, desde que a a CGTP e a UGT existem. Não se pode alterar nada, porque os trabalhadores são constantemente prejudicados. “Não ao banco de horas, não à possibilidade de despedimentos, não, não e não!” E porque o disparate não ocupa lugar, o Governo é sempre ilegítimo, está contra o povo e os trabalhadores! A rua, sim, essa é quem tem a legitimidade e a autoridade para levar o país a bom porto e para fazer funcionar a economia. Com a certeza de “quem nunca tem dúvidas e raramente se engana” (quem parece ser surpreendentemente, afinal, o líder da oposição?), este retrocesso civilizacional “tem apenas como objectivo encher, ainda mais, os bolsos dos banqueiros e capitalistas”, o que já faltava para deixar um Manifesto à justa medida de quem o promove. A pedra de toque é o “roubo” aos bolsos dos trabalhadores. O roubo!

 

     Ora, o Governo da República, decorre das eleições legislativas de 5 de Junho. É suportado por uma maioria absoluta (PSD e CDS/PP) e encontra-se a cumprir um Memorando de Entendimento negociado com o Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional subscrito pelos três principais partidos que juntos obtiveram 80% dos votos dos portugueses. Procurar fazer na rua o que não se conseguiu pelo voto (enquanto expressão máxima da vontade dos cidadãos portugueses) e atentar contra a legitimidade deste Governo e deste Memorando revela muito da natureza democrática de que os Sindicatos afectos à extrema esquerda são feitos. E este aspecto parece-me inacreditavelmente pacífico! Esta colagem abusiva e a instrumentalização dos sindicatos, principalmente por parte do PCP, é aceite pelos trabalhadores sem que percebam que só lhes retira margem de actuação e de intervenção, porque esta ingerência na vida dos sindicatos e a politização dos mesmos desrespeita quem luta, quem protesta e reividinca quando tudo o resto falha, quando as injustiças acontecem e quando o próprio sacrifício de perder um dia de salário é medido, e muito bem medido!

 

     A greve é um direito e não se está aqui a contestar a sua legitimidade. Tem consagração na Constituição (artigo 57º) e está regulada no Código do Trabalho (artigos 530º a 545º). Trata-se de uma abstenção concertada de trabalhar com vista a um objectivo comum que tem origem em 1910, embora a sua consagração tenha sofrido uma forte restrição na Constituição de 1933 prontamente abolida em 1974. É um direito cujo exercício compreende a existência de piquetes de greve, que o artigo 533º do Código do Trabalho salvaguarda, por forma a que a associação sindical ou a comissão de greve possa desenvolver “actividades tendentes a persuadir, por meios pacíficos, os trabalhadores a aderirem à greve, sem prejuízo do respeito pela liberdade de trabalho de não aderentes” Esta liberdade a que o preceito se refere é uma liberdade individual. Não sujeita, portanto, a coacção física ou moral de modo algum.

  

   O que se verificou com alguns piquetes de greve em certos pontos do país é inaceitável. A situação em Vimeca, onde o piquete de greve (em que se encontrava também o deputado do PCP, Miguel Tiago) tentou impedir a saída dos autocarros da CARRIS, deveria ser condenada pela própria organização sindical. Ao invés disso, Carvalho da Silva, do alto da sua cátedra sindicalista, veio criticar a “actuação policial agindo na interpretação da lei da greve” afirmando que a mesma “não tem competências para [a] interpretar”, e que “não pode impedir os piquetes de desenvolver o seu trabalho de influenciar, por todas as formas ao seu alcance, respeitando a legalidade.” (Jornal das 20h, TVI, 24 de Novembro). Extraordinário! Agora, uma força policial que tem o dever de proteger a ordem pública e de salvaguardar o cumprimento da lei não pode interpretar a lei se, no caso concreto, esta for infringida. Proteger quem quer trabalhar, ou quem tem de trabalhar, obstruindo o seu percurso, não é, no entender do líder da CGTP, legítimo. Era o que mais nos faltava! A greve não é um direito absoluto. É um direito de exercício individual a que podem recorrer todos os trabalhadores. Quem não quer fazer greve não tem de ser coagido, apedrejado nem ostracizado.

 

     A mesma crítica se faça ao que se passou nas escadarias da Assembleia da República onde, pelo que se relata, elementos do Movimento dos Indignados derrubaram as barreiras procurando lançar a desordem e a confusão. O anarquismo que assola a Grécia (que tem antecedentes históricos gravíssimos) não tem paralelo em Portugal mas não significa que devemos tolerar o que não toleraríamos se fossem grupos facistas ou reaccionários.

 

     A somar a tudo isto, está em curso uma campanha que visa manchar a imagem da polícia, aos olhos da opinião pública, pela actuação que teve no dia 24. Os vídeos e os relatos, sempre cirurgicamente seleccionados, apenam demonstram partes da intervenção policial. Subtrai-se do grande público as circunstâncias em que ocorreram a identificação dos elementos provocadores e o seu historial neste tipo de situações. Mas basta olhar com um pouco mais de atenção e ver quem está a alimentar esta fogueira. Não adiro à tese fácil de fazer das forças policiais os maus da fita. Na verdade, mais do que nunca, precisaremos dela, num país onde os problemas sociais se estão a agravar e onde o sentimento de insegurança tende a crescer. Não me recordo, por exemplo, da última vez que foram enviados cocktails molotov contra repartições de Finanças, o que talvez seja bom. Mas sei que na madrugada de 24, isso aconteceu. E, para futuro, não augura nada de bom. 

 

 

João Mendonça Gonçalves

(Estudante universitário)

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