O ministro da Ciência e do Ensino Superior, Mariano Gago, anunciou na Horta, o lançamento de um projecto nacional de ciências do mar profundo, especialmente vocacionado para a investigação dos recursos biológicos e minerais.
“O potencial das profundezas é tal que justifica um programa específico desta natureza”, afirmou, salientando que se trata de um projecto que se pretende “aberto e competitivo” para atrair investigadores de todo o mundo.
Mariano Gago admitiu que este programa possa trazer para Portugal escolas e laboratórios internacionais ligados à investigação do mar profundo e ainda residências internacionais para jovens cientistas de diferentes países.
Para o ministro, este programa será um primeiro passo para que o país aproveite os recursos biológicos e minerais que estão “escondidos” nas profundezas do Atlântico.
Em entrevista, o Ministro do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia falou do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, da sua importância e dos projectos do Ministério para a Academia Açoriana.
Qual a sua opinião sobre o trabalho que tem sido desenvolvido pelo Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores?
Acompanho o DOP já há muitos anos, quase praticamente desde o seu início quando se instalou um pequeno núcleo de investigação de oceanografia aqui na Horta.
Ao longo dos anos foi possível que nesta instituição acontecesse algo que tem sido extremamente raro de acontecer noutras zonas designadamente na Universidade dos Açores, que foi atrair investigadores de todo o lado e isso criou na Horta um pólo de investigação cientifica que à escala nacional é um pólo de dimensão muito importante e que está muito especializado.
Está especializado essencialmente nas questões biológicas mas muito ligado à especificidade desta região. Há a possibilidade de ter acesso a mar profundo e essas áreas hoje têm, do ponto de vista científico, um interesse muito elevado e isto pelo facto de se terem descoberto fontes hidrotermais; pelo facto de se ter descoberto que o património genético em profundidade era muito rico e muito interessante. Descobriram-se formas de vida em condições que, há umas décadas atrás, se julgava impossível.
Que benefícios directos é que essas descobertas podem trazer para o nosso país?
Aquilo que faz com que muitos países e investigadores hoje invistam muito tempo e recursos na análise do mar profundo, julgo que são essencialmente duas razões centrais. A primeira relacionada com o ponto de vista biológico e a segunda ligada aos recursos minerais.
Biologicamente é o facto de se ter a expectativa de que existem formas de vida e património genéticos especiais que se podem encontrar em zonas muito profundas do oceano. Isto é uma fonte potencial de produtos para a indústria biotecnológica. Aquilo que nós podemos esperar de melhor no seguimento desta investigação é que, nos próximos anos, junto da actividade do DOP, se venham a criar, a partir provavelmente dos investigadores do DOP e da investigação deles, empresas ligadas à biotecnologia.
Isso poderá acrescentar um elemento novo à biotecnologia e sobretudo pode contribuir para um novo ponto de desenvolvimento na Horta junto do DOP.
A outra área prende-se com os recursos minerais. Penso que será uma área alvo de investigação por parte de muitos países. A pesquisa de minerais no subsolo foi sempre e continua a ser extremamente importante. A pesquisa de jazidos de minerais raros no fundo do mar tem uma importância económica enorme.
Têm sido celebrados vários protocolos entre a Universidade dos Açores e instituições académicas de todo o mundo. Qual a sua opinião a esse respeito?
Estes protocolos existem porque existe, nos Açores, qualidade e trabalho. Ninguém vai atravessar o Atlântico para vir para uma ilha da qual nunca ouviu falar a menos que isso tenha interesse para a sua profissão e que saiba que do lado de lá tem colegas cujo trabalho conhece e reconhece. O fundamental aqui é a actividade científica e a qualidade do trabalho aqui desenvolvido. É essa qualidade que permite atrair outras pessoas e fazer com que esse trabalho seja respeitado e que outros queiram também colaborar com os que aqui estão.
É verdade que a colaboração entre o DOP e outras instituições, quer na Europa quer nos Estados Unidos. Ainda muito recentemente assinámos aqui na Horta um acordo de cooperação com a Universidade de Massachusetts que tem uma actividade importante nesta área.
Isso vai ser reforçado com a implementação de um programa de investigação para o mar profundo, cujo objectivo é fazer, especificamente nas questões ligadas ao mar profundo, com que os poucos centros de investigação à escala mundial encontrem aqui um Centro de Operações. Que este seja o sitio natural para se reunirem, para se organizarem conferências, escolas, onde haja uma actividade de referência e observação de tudo o que está a ser feito nesta área.
A inauguração das novas instalações vem colmatar uma lacuna em termos infraestruturais?
O DOP teve um crescimento que é muito normal numa instituição científica, isto é, foi tendo as instalações à medida que era preciso. Não há nada pior do que começar pelos edifícios, depois pensar nos equipamentos e só no fim pensar nas pessoas. O DOP fez-se exactamente como devia ser. Começou com instalações muito precárias, com pouca gente e nós com a esperança de que aquelas pessoas pudessem gerar trabalho. Ao longo de muitos anos visitei as instalações do DOP e, a certa altura, estavam completamente apinhadas. Ainda me lembro de ter negociado com a Marinha a cedência dos outros edifícios quando não havia mais condições de expansão. O novo edifício do antigo hospital tem finalmente condições de dimensão, espaço e qualidade de trabalho e está justificado por haver muita gente e muito trabalho neste momento. Há dez ou quinze anos atrás não havia DOP sequer para ocupar aquelas instalações, caso elas existissem.
Acha que temos condições para que seja leccionada uma licenciatura na Horta?
Não sei se isso será o mais importante. No momento não há uma grande vantagem em fazer-se uma dispersão de actividades de licenciatura nas Universidades. As actividades pós-licenciatura e pós-graduação têm uma enorme vantagem em serem leccionadas onde está a actividade de investigação. Hoje o DOP tem actividade pós-graduação importante e aliás já começa a ter uma actividade nova de formação profissional que é muito interessante.
Diria que a vocação duma instituição como o DOP é essencialmente reforçar as actividades pós-graduação que são as únicas que conseguirão trazer para os Açores e para a Horta estudantes de todo o lado.
Anunciou a criação de um programa inovador para as ciências do mar. Pode esmiuçar ao Tribuna das Ilhas de que se trata este projecto?
Nestes últimos 20 anos tem havido, em Portugal, vários programas de dinamização das ciências e tecnologias do mar.
O que foi anunciado é a criação de um programa específico para a questão do mar profundo. Esta é uma área de enorme competição internacional. Do ponto de vista cientifico e estratégico para o futuro.
Parece-me essencial neste momento, concentrar recursos na exploração do mar profundo. Onde temos esse mar profundo no território português é nos Açores, mas isso não significa que sejam apenas instituições açorianas a fazer esse trabalho. É um trabalho de uma tal dimensão e exigência que este programa servirá para convocar todas as instituições nacionais com as competências que têm para conseguir resolver, obter conhecimento e aplicações dos estudos do mar profundo.
Há pouco dei-lhe dois exemplos: a pesquisa de recursos minerais e a pesquisa de formas de vida que permitam novos avanços na biotecnologia. Creio que haverá muitos mais, mas o trabalho nestes dois sectores será muito importante.
Durante 2010 vamos tentar desenhar por completo este programa, estabelecer as alianças internacionais necessárias, definir programas de trabalho, recrutar pessoas, saber quem faz o quê e operacionalizá-lo para os anos seguintes.
O Reitor da Universidade dos Açores tem vindo a reclamar um aumento do financiamento para a Academia na ordem dos 10%, com o objectivo de que 2010 não seja um ano tão penoso como 2009. Vai o Ministério “ceder” a esta exigência?
Os Ministérios não cedem a exigências, têm sim de olhar para os sistemas de ensino superior e para as universidades em função das suas necessidades reais. Mas também têm que introduzir factores de estímulo que permitam às instituições serem melhores. Um desses factores é o financiamento e é público que as condições que estão inscritas no programa de governo para 2010 de investimento ao ensino superior são particularmente favoráveis para conseguirmos ter, nos próximos anos, muitos mais alunos nas universidades. Esse é o nosso principal objectivo, a par do reforço da qualidade do ensino superior. No caso da Universidade dos Açores é absolutamente indispensável que se reforce a capacidade formativa, mas para isso é preciso atrair estudantes.
Maria José Silva