Vários agentes culturais dos Açores queixam-se de ainda não terem recebido apoios da Direção Regional dos Assuntos Culturais relativos a eventos realizados em 2023 e alegam que nunca os atrasos foram desta dimensão.
“Nunca, mas nunca, em tempo algum, houve um atraso tão prolongado para saírem os resultados e com consequências tão nefastas para os agentes culturais”, afirmou, em declarações à Lusa, Ana Brum, da companhia Cães do Mar.
“É o pior ano de que há memória e não vale a pena negar. Nós nunca chegámos ao final do ano e com o risco de entrar no ano seguinte sem receber a verba”, corroborou Rafael Carvalho, da Associação de Juventude de Viola da Terra.
Na segunda-feira, em reação a um comunicado da associação Get Art, que alertava para o atraso do pagamento das candidaturas ao Regime Jurídico de Apoio às Atividades Culturais (RJAAC), o diretor regional dos Assuntos Culturais, Duarte Nuno Chaves, disse que 98% das candidaturas já estariam processadas e que uma “percentagem muito pequena” aguardava por reavaliação.
“Não posso garantir que estejam todas pagas, mas os processos estão todos finalizados e à medida que vão sendo finalizados vai sendo enviada a indicação para pagamento aos respetivos destinatários”, adiantou, acrescentando que a diferença do atraso em relação a anos anteriores “não foi muito grande”.
Vários agentes culturais contestaram estas afirmações, alegando que houve quem só recebesse a primeira tranche dos apoios em dezembro e quem ainda não tenha recebido qualquer montante.
“É extremamente incorreto e indelicado para o setor. Pedimos, no mínimo, que o diretor se retrate e volte a referir a veracidade dos factos”, afirmou Luís Banrezes, das associações Plutão Camaleão e Silêncio Sonoro.
O agente cultural já recebeu parte de uma candidatura, mas da relativa ao festival Tremor, realizado em março, nem um cêntimo.
“Como é que é possível estar a preparar a edição de 2024 e já ter um processo de apoio a decorrer, quando de 2023 não recebemos uma única tranche?”, questionou.
Luís Banrezes viu rejeitada, por “míseras décimas”, a candidatura de um projeto apoiado pela Direção Geral das Artes e pediu a revisão da nota, mas ainda não a recebeu, apesar de o regulamento prever que seja atribuída em 10 dias.
Garante que conhece outros casos na mesma situação e que há “muita gente que não recebeu rigorosamente nada”.
“Com quantos mais colegas falo, mais vejo que não é uma situação única”, frisou, alegando que o atraso este ano foi “muito pior”.
Com os atrasos e um corte previsto “na casa dos 50%”, as duas associações só conseguiram sobreviver com apoios de outras entidades e receita própria de alguns eventos.
O mesmo aconteceu com a companhia Cães do Mar, que recebeu apenas uma parte dos apoios na primeira semana de dezembro e ainda aguarda pela reavaliação de duas candidaturas.
“No caso das estruturas profissionais, se não fosse o Governo central não havia trabalho feito, porque não havia como as sustentar”, explicou Ana Brum.
A encenadora sublinhou que o RJAAC prevê a atribuição de um montante de 850 mil euros em 2023, mas até à data foram publicados apenas apoios que rondam os 650 mil.
“É um valor irrisório se considerarmos que são 850 mil euros para dividir por nove ilhas para todas as áreas, desde audiovisual, edição, folclore, eventos de todo o tipo, festivais, teatro, dança, sejam profissionais ou amadores”, criticou.
Ana Brum teme que o executivo açoriano “esteja a usar o facto de haver apoio por parte do Governo central para não investir nas atividades culturais nos Açores”.
Segundo a agente cultural, o atraso não apenas no pagamento, mas na publicação dos resultados, que excedeu o tempo previsto na lei, levou alguns artistas a desistirem dos projetos.
“Nós conseguimos gerir a custo a nossa situação, mas obviamente houve muitas associações que não tiveram projetos, porque nem sabiam se iriam ter apoio, e noutros casos os próprios associados tiveram de avançar com dinheiro do seu próprio bolso”, salientou.
Foi o caso da Associação de Juventude de Viola da Terra, que ponderou suspender o festival Violas do Atlântico, mas acabou por realizá-lo e ainda não recebeu qualquer apoio, nem sabe se vai receber em 2023.
“Já fizemos os pagamentos todos, mas estamos nós, elementos da direção, em perda financeira, porque temos de suportar os custos dos eventos”, avançou Rafael Carvalho.
O músico disse que as candidaturas, com um montante aprovado de 4.800 euros, estão processadas desde setembro, mas quando questionada sobre o pagamento, a Direção Regional dos Assuntos Culturais remete para a Direção Regional do Orçamento e Tesouro.
“Normalizou-se um discurso de que um atraso não é um problema, que não é tão mau, que foi apenas mais tarde um mês ou dois do que no ano anterior. Isto é ridículo, é uma ofensa”, vincou.
Desde abril que Rafael Carvalho e outros agentes culturais alertam não só para os atrasos, mas para o corte nos apoios, que este ano foram limitados a 30% do valor da candidatura, “sem qualquer fundamento legal”.
“Todos os anos diminuíam e este ano são os maiores cortes de sempre, aliado a tudo o resto. É para estrangular o setor mesmo”, lamentou.
“As pessoas pensam que os agentes culturais querem viver de subsídios e não é isso. Estamos a prestar um serviço cultural, artístico, que gera emprego, deixa receita na região, nos restaurantes, nos técnicos de som, nos músicos, nos alojamentos…”, acrescentou.
Lusa