Artigo de Opinião | INCINERAÇÃO, UM “ESQUEMA” VERGONHOSO! – por Filipe Tavares

Foto - Andreia Luís
Estamos, há vários anos, a assistir a um “esquema vergonhoso” que envolve partidos, governantes, deputados, empresas públicas e o dinheiro dos contribuintes, em torno do ruinoso projeto da incineração. Todos sentimos o cheiro a esturro que emana do sector dos resíduos nos Açores.

 

Do acompanhamento às iniciativas da Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável percebe-se o seguinte:

 

A prestação da Engenheira Maria Ekstrom da Teramb foi de uma falta de coerência tremenda, tendo em conta o parecer que assinou em 2019 e o que nos dá a conhecer em 2021. No que toca à gestão de resíduos, veio revelar que os seus 20 anos de serviço dedicados à gestão de resíduos foram marcados por uma enorme falta de visão estratégica e por uma profunda insistência na ruína da gestão integrada e sustentável de resíduos nos Açores e mais particularmente na ilha Terceira. É de lembrar que a CVE da Teramb foi inaugurada com toda a pomposidade em 2015 pela governança e pelo lobby da incineração, com promessas de que a gestão de resíduos na Terceira seria um exemplo a nível europeu. O certo é que, passados 6 anos, o projecto da Teramb é um autêntico desastre económico e ambiental. Onde param os lunáticos que conceberam este projeto sobredimensionado? Onde pára o antigo administrador da Teramb, que papagueou o hipotético sucesso da dita CVE por todos os cantos? A gestão de resíduos na Terceira é um exemplo perfeito do pior que pode acontecer num sistema onde existe uma central de incineração sobredimensionada, é um autêntico fiasco com custos de manutenção impressionantes. A Engenheira Maria Ekstrom que surge na audiência da CAPADS em 2021 não pode ser a mesma Engenheira Maria Ekstrom que assinou o parecer da Teramb em 2019 que dizia o seguinte:

 

“Considerando o diagrama de cargas da CVE da ilha Terceira, a atual instalação tem capacidade para absorver a fracção resto da Região Autónoma dos Açores, desde que sejam instaladas unidades de reciclagem (TMB) em todas as ilhas. Caso contrário, o risco de sobredimensionamento poderá inviabilizar o sucesso do modelo proposto assim como ser insustentável”

 

Mas afinal o que se passou com a Engenheira Maria Ekstrom? E é inacreditável que o Secretário Alonso Miguel e os deputados da coligação “assobiem para o lado” perante o desastre que é a Teramb e o que diz a sua representante.

 

Relativamente à AMISM / MUSAMI, assistimos a mais do mesmo, ou seja, a um discurso sorrateiro e manipulador, que deturpa a natureza de qualquer plano ambiental com futuro. Como os autarcas de São Miguel e da Terceira não se manifestam, Ricardo Rodrigues surge como porta-voz único e exclusivo destas entidades, representando uma classe política sem ambição, estratégia nem visão ambiental, sem argumentos válidos e sustentados, sem força para resolver e revolucionar a gestão de resíduos na Região. Ricardo Rodrigues revelou uma total incapacidade de dialogar com os autarcas da ilha Terceira e que até são do seu partido, no sentido de promover uma gestão integrada de resíduos, assente na partilha e rentabilização dos meios existentes. Talvez o seu maior sucesso tenha sido mesmo a “negociação” com a empresa Termomecânica, que construiu a incineradora da ilha Terceira, e à qual foi adjudicada a construção da incineradora da Musami.

 

Quanto ao Secretário Alonso Miguel, nota-se, desde o início do seu mandato, que arranjou o álibi perfeito para lidar com este assunto, já gasto! Está a prestar um péssimo serviço à nossa região no que toca à definição de uma estratégia de gestão de resíduos que garanta o cumprimento das metas de prevenção e preparação para reutilização e reciclagem definidas pela União Europeia. O seu discurso está repleto de truques e transparece uma vontade cega de afastar da Terceira os resíduos não recicláveis da ilha de São Miguel. Sobre a obrigatoriedade da recolha de resíduos orgânicos e o seu real contributo para o aumento da reciclagem e cumprimento das exigentes metas comunitárias, nada referiu. Sobre a impossibilidade de cumprimento de metas na Terceira e São Miguel demonstrada pela experiência obtida nos projetos em curso nestas ilhas, nada disse. Sobre projectos de reciclagem e a transição para a economia circular não fez uma única referência. Falou em eventuais sanções a aplicar pelo incumprimento das metas mas, perante o escandaloso incumprimento das metas previstas para 2020 em São Miguel e na Terceira, nada fez nem fará!

 

A estratégia do Secretário Regional do Ambiente e Alterações Climáticas é a seguinte:

 

1º Desresponsabilizar-se a si e ao Governo, afirmando que a decisão sobre os investimentos a realizar em São Miguel e na Terceira para a gestão de resíduos são da exclusiva responsabilidade das respectivas autarquias, independentemente se garantem ou não o cumprimento das metas comunitárias e do próprio programa do Governo dos Açores.

 

2º Abrir caminho à construção da CVE da MUSAMI, convencendo tudo e todos que, caso as metas sejam cumpridas, as incineradoras conseguirão manter a atividade utilizando apenas parte da sua capacidade.

 

3º Desencorajar o transporte de resíduos entre São Miguel e a Terceira, evocando tratar-se de uma actividade impraticável e com elevados riscos, quando a mesma decorre em segurança e com regularidade há vários anos na nossa Região, sem necessidade de uma rota marítima exclusiva para o efeito. O transporte de resíduos acontece entre ilhas, entre as regiões e o continente, no território nacional e em toda a Europa, por via terrestre e marítima e sem problemas, assente numa perspectiva de partilha e rentabilização dos recursos existentes, evitando a duplicação de esforços, de infra-estruturas, bem como o aumento da incineração, cujo financiamento comunitário foi amplamente travado nos últimos anos.

 

4º Convencer-nos de que a CVE da TERAMB não tem capacidade para receber o refugo de todas as ilhas, ignorando que a Terceira deveria instalar um TMB para assegurar o cumprimento das metas e que o facto da CVE já trabalhar muito abaixo da sua capacidade máxima (55.000 t/ano) fará com que, numa situação de cumprimento de metas, não tenha resíduos suficientes para laborar. O Secretário Alonso nunca se refere à capacidade máxima da CVE (55.000 t/a) da Teramb mas sim à capacidade licenciada (40.000 t/a) para convencer-nos de que a mesma já está no seu limite.

 

5º Insistir que a obrigatoriedade de cumprimento de metas é do país e não da Região, das ilhas, autarquias ou sistemas de gestão de resíduos, o que revela a sua enorme falta de ambição, visão e comprometimento com a transição para a economia circular e combate às alterações climáticas.

 

6º Sugere que revisão do PEPGRA deverá introduzir metas de preparação para reutilização e reciclagem inferiores para São Miguel e Terceira, seguindo a lógica de que a responsabilidade do cumprimento das metas comunitárias é do país e não da região, o que resultará na impossibilidade da Região Autónoma dos Açores cumprir as metas comunitárias e transitar para uma economia verde e circular, tendo em conta que as ilhas de São Miguel e Terceira são responsáveis por 85% da produção total de resíduos da Região.

 

A Terceira tem uma incineradora desde 2015, não cumpriu as metas de reciclagem menos exigentes previstas para 2020, reduziu a taxa de reciclagem entre 2018 e 2019 em 6% e não se perspectiva que venha a cumprir as novas metas, que são muito mais exigentes. O Secretário Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, Alonso Miguel, ao mesmo tempo que salienta a importância do TMB em São Miguel, ignora a necessidade da ilha Terceira introduzir um TMB a montante da incineradora.

 

Com a construção da incineradora da MUSAMI, os Açores ficarão com duas incineradoras, correspondendo a uma capacidade total de incineração de 110.000 toneladas por ano. Se todas as ilhas cumprirem a meta de prevenção de 15% e a meta de preparação para reutilização e reciclagem de 65% prevista para 2035, iremos necessitar de menos de 50% da capacidade de incineração prevista, para valorizar energeticamente os resíduos sólidos urbanos não recicláveis da nossa Região.

 

Relativamente aos resíduos industriais, cabe ao Governo assegurar que as empresas cumprem o que está previsto na lei e que o ónus do tratamento desses resíduos não recaia sobre as autarquias e sobre os munícipes. Os investimentos autárquicos têm como principal objectivo o processamento dos resíduos domésticos.

 

 

Por
Filipe Tavares
Ambientalista
1º Peticionário – “Pelo Futuro da Gestão de Resíduos dos Açores”

 

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