Alguns pais estão a ser obrigados a passar uma procuração a si próprios ou a levar consigo bebés de meses para conseguir levantar o Cartão de Cidadão (CC) dos filhos menores.
Ângelo Mesquita nem queria acreditar quando um funcionário da Conservatória do Registo Civil, na avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, lhe disse que não poderia entregar o cartão do filho de cinco meses sem que este estivesse presente.
A solução encontrada pelo responsável pelo serviço foi uma insólita procuração: «Tive de declarar que, enquanto pai, me autorizava a mim mesmo a levantar o Cartão de Cidadão dele».
Se não tivesse assinado o documento que o funcionário lhe apresentou, Ângelo só poderia receber o documento «na presença do bebé».
Andreia Vital deparou-se com uma situação idêntica, na Loja do Cidadão das Laranjeiras, também em Lisboa. «Disseram-me que só podia levantar o documento, se levasse a minha filha. Mas ninguém me avisou de nada no dia em que fui fazer o cartão dela».
Andreia explica que nunca lhe passou pela cabeça ter de levar uma criança de 16 meses para ser autorizada a receber o Cartão. «Se me tivessem avisado, teria levado a bebé, até para beneficiar do atendimento prioritário», diz, explicando que foram as novas regras de dedução de despesas no IRS que a levaram a fazer o Cartão de Cidadão para a filha.
«Como é preciso o número de contribuinte, para descontar as despesas nos impostos, somos obrigados a fazer o Cartão de Cidadão». Não foi a única. «A Loja do Cidadão parecia uma creche: cheia de bebés».
Andreia Vital só conseguiu sair da Loja do Cidadão com o documento depois «de insistir muito com o funcionário e de assinar um formulário», explicando que a filha estava doente e não poderia estar presente. Mesmo assim, foi só depois de sublinhar a urgência de receber o Cartão que lhe foi dada esta possibilidade: «Tive de explicar que estava quase a ir de férias e que não podia sair do país com a minha filha sem o Cartão de Cidadão dela».
O jurista Paulo Saragoça da Matta é que não encontra explicação para as exigências feitas pelos funcionários dos serviços do CC. «Não existe justificação», comenta, lembrando que «os menores de idade são incapazes». Ou seja, «os pais vinculam, para todos os normais efeitos legais, os filhos menores».
O problema pode estar no facto de a lei seguida pelo Instituto de Registos e Notariado – que emite o CC – não ser muito clara. A lei 7/2007 determina apenas que o Cartão deve ser entregue ao seu titular ou «à pessoa que supre, nos termos da lei, a incapacidade do titular». O facto de não incluir uma referência directa à situação dos menores pode estar na origem da interpretação feita pelos serviços que exigem a presença dos bebés.
Saragoça da Matta também não vê validade na declaração que os serviços obrigaram Ângelo a assinar: «Quando muito, podia exigir-se uma declaração ao progenitor que não estivesse presente».
Em casos como os de Ângelo e Andreia, Saragoça da Matta aconselha os pais a fazer «uma reclamação escrita ao director dos serviços», pedindo o Livro de Reclamações.
Lei não exige presença de menores
Apesar da recomendação do jurista, a DECO recebeu em 2010 apenas uma queixa feita por um pai que não conseguiu levantar o Cartão de Cidadão sem a presença do filho. As outras cinco queixas apresentadas no ano passado nesta associação de defesa do consumidor deveram-se ao atraso na entrega do cartão.
Já o Ministério da Justiça reconheceu ao SOL ter «registo de seis reclamações» relacionadas com este tipo de problemas. Fonte oficial do gabinete de Alberto Martins recusou comentar estas situações, alegando desconhecer «os casos em concreto».
A mesma fonte assegura, porém, que «desde que se verifique a legitimidade do progenitor, o menor não necessita de estar presente no momento da entrega do Cartão de Cidadão». Segundo o Ministério, os serviços só podem exigir uma procuração no caso de os pais autorizarem «outra pessoa a efectuar o levantamento do cartão».
in SOL – por Margarida Davim