Há duas semanas, a jornalista luso-canadiana Debbie Pacheco chegou a São Miguel à procura de açorianos que foram deportados do Canadá por não terem regularizado a sua situação de residência. A jornalista queria saber o que lhes aconteceu quando voltaram ao arquipélago. Encontrar pessoas para entrevistar foi uma tarefa árdua, diz Kitty Bale.
Já há duas semanas que Debbie Pacheco contacta com aqueles que o Canadá obrigou a voltar aos Açores. Ouviu e registou como lidaram com este regresso a um lugar que alguns mal conheceram e descobriu que muitas pessoas não consideram os deportados como uma parte da sociedade açoriana.
Famílias separadas
Embora cada situação seja única, a deportação parece ter tido um impacto devastador sobre famílias.
“Até eu falar com as pessoas, eu não tinha percebido quão complicado as suas histórias eram”, diz Debbie Pacheco.
Sempre que alguém foi deportado, famílias inteiras ficaram divididas “não só entre Portugal e Canadá, acabando, em muitos casos, por irem para outros sítios como os E.U.A.”, acrescenta a jornalista.
Debbie Pacheco entrevistou muitas pessoas, sobretudo com uma faixa etária entre os 35 e 40 anos, algumas delas casadas e com filhos.
“Faltam-me ainda vozes”, diz Debbie, “principalmente as de jovens com menos de 25 anos de idade”.
Fora do sistema
Encontrar pessoas foi um desafio para a jornalista que passou todas as horas na busca de potenciais entrevistados.
Pessoas que tinham combinado uma entrevista mudaram de ideia em cima da hora e muitos novos contactos acabaram por colidir com pessoas que já tinham sido entrevistadas.
“Deportados sem documentos não estão necessariamente no sistema”, afirma Debbie.
No entanto, foi mais fácil localizar quem ainda precisava de apoio ou tinha sido deportado por causa de um crime.
A jornalista trabalhou em colaboração com a Direcção Regional das Comunidades e organizações que ajudam deportados a integrarem-se na sociedade local e encontrarem trabalho, como a Arrisca e o Centro Novo Dia, ambas em Ponta Delgada.
“As organizações serviam de intermediários. Ligavam para as pessoas e perguntavam se estavam interessadas em falarem comigo”, explica Debbie.
Nada para esconder
A Arrisca disponibilizou uma sala onde Debbie podia fazer entrevistas e a jornalista também contactou alguns entrevistados nas suas casas.
“Muitas pessoas abriram-se comigo sobre as suas histórias”, diz a jornalista, “mesmo as que cometeram crimes graves. Algumas convidaram-me para as suas casas, encontrei os seus familiares e filhos”.
Embora todos pedissem para manter o anonimato, foi um alívio para muitos entrevistados poderem falar com alguém que queria dar-lhes uma voz.
Marcados para a vida
Debbie Pacheco também descobriu que a opinião pública sobre os deportados é tão negativa como mal informada.
“As pessoas têm uma ideia negativa do que significa ser deportado. A palavra ‘repatriado’ nem sempre se enquadra em todas as experiências por que eles passaram, como é o caso de alguns dos que estão ainda a adaptar-se à nova vida de cá”, salienta a jornalista de 32 anos.
Para alguns deportados, ser obrigado a voltar aos Açores significa transformar-se num imigrante no seu próprio país, especialmente se eles saíram do arquipélago quando eram crianças.
Para algums açorianos com quem Debbie falou, a deportação é injusta.
“Algumas pessoas culparam os governos do Canadá e dos Estados Unidos, disseram que é injusta a deportação, independentemente de haver motivos “, diz Debbie, mas também houve quem tenha referido que ” Portugal faz a mesma coisa” com os imigrantes ilegais.
Debbie regressa ao Canadá na próxima semana para fazer mais entrevistas com funcionários públicos e preparar o seu documentário para emissão. A jornalista é inabalável sobre a sua vontade de colocar o assunto da deportação de volta nas notícias e lutar contra o estigma associado aos deportados.
“Quero fazer justiça a essas histórias”, diz ela, “independentemente da opinião ou do julgamento das pessoas”.
RTP/A