O escritor de danças e bailinhos Hélio Costa, que dá nome ao Museu do Carnaval da ilha Terceira, nos Açores, defende que as manifestações devem ser mais divulgadas e que podem ser um atrativo turístico.
“Sei de pessoas que vêm dos Estados Unidos [da América], do Canadá, e conheço alguns casais do continente que vêm de propósito para o nosso Carnaval”, afirma, em declarações à Lusa.
Entre sábado e a terça-feira de Carnaval, mais de meia centena de grupos de atores e músicos amadores percorrem cerca de três dezenas de salas de espetáculos de toda a ilha, atuando de forma gratuita, pela madrugada dentro.
“Na nossa ilha, em casa sim casa não mora um artista: ou é músico ou escreve, ou representa, ou é dançarino”, salienta Hélio Costa.
Divididas em danças de pandeiro, danças de espada, bailinhos e comédias, as manifestações intercalam música e teatro, escritos em rima, com crítica social.
Milhares de pessoas sobem aos palcos e muitas mais aguardam pacientemente pelos grupos nos salões, que chegam a fechar já depois do sol nascer.
“O Carnaval é feito com o povo todo da ilha. São 50.000 pessoas que participam nisto. É único no mundo, é diferente de todos, é rico em cultura”, frisa o escritor.
Aos 69 anos, Hélio Costa já escreveu mais de 1.300 assuntos (texto do teatro) para danças e bailinhos de Carnaval.
Confessa que se sente “triste” quando, por esta altura, vê na televisão referências às manifestações de Carnaval do país e o da Terceira fica esquecido.
“É pena não ser mais divulgado. Se calhar as entidades oficiais podiam fazer mais alguma coisa pelo nosso Carnaval”, aponta.
Tinha oito anos quando participou pela primeira vez numa dança de Carnaval, numa época em que ainda atuavam na rua e nas casas dos vizinhos.
Em 1985, o grupo em que participava desafiou-o a escrever o assunto. O resultado agradou e Hélio Costa transformou-se num dos mais requisitados autores do Carnaval da Terceira.
Em média, escrevia mais de 40 assuntos por ano e, em 2008, chegou mesmo a entregar 58, não só para a ilha, mas para as comunidades emigrantes nos Estados Unidos e Canadá, que dão continuidade à tradição.
A pandemia de covid-19 deixou os salões da Terceira vazios durante dois anos e quando as danças e bailinhos regressaram, em 2023, Hélio Costa decidiu deixar de escrever.
“Senti uma falta enorme e um vazio na minha vida, porque eu passava o ano quase todo de roda de enredos [textos]. A partir de setembro tinha gente em casa quase todos os dias”, conta.
Estava decidido a pousar a caneta de vez, mas, este ano, um grupo pediu-lhe ajuda e quando aceitou escrever o primeiro assunto a palavra foi-se espalhando.
“Escrevi oito, só uma coisa para matar a saudade”, adianta.
Há mais de duas décadas que Hélio Costa trocou os palcos pelos bastidores no Carnaval, mas quando assiste a um bailinho com texto seu fica “com os mesmos nervinhos” dos atores.
“Estou a torcer para que corra tudo bem e quando corre bem é claro que também gosto. Quando corre menos bem, tenho de aceitar”, revela.
Num Carnaval sem regras, manda a tradição que o texto das cantigas e do teatro seja em rima, o que para Hélio Costa nunca foi um problema.
“A rima sai facilmente. O mais difícil é sobre o que escrever, porque já se escreveu sobre tudo e os grupos querem sempre alguma coisa de novo”, explica.
Hoje está aposentado, mas quando era taxista, muitos dos temas surgiam nas viagens de carro pela ilha.
“Cheguei a parar para escrever. Se não tinha pessoas comigo e se surgia uma ideia boa, eu encostava o carro e tomava pelo menos uma nota para que não me esquecesse”, lembra.
Figura incontornável do Carnaval da Terceira, Hélio Costa dá nome ao museu criado em 2005 na vila das Lajes, para dar a conhecer esta tradição, que acredita ter futuro garantido.
Esta semana, assistiu ao ensaio de uma dança e enquanto os adultos se concentravam nos seus papéis, reparou numa criança de três anos, que batia com o pandeiro a imitar os primos.
“O nosso Carnaval está para continuar, porque está no sangue do povo e vê-se muita juventude a aderir ao Carnaval todos os anos”, sublinha.
Lusa