Não é todos os dias que se vê um deputado no banco dos réus. Mas é o que vai acontecer esta terça-feira, no 6.º Juízo Criminal de Lisboa, quando se iniciar o julgamento de Ricardo Rodrigues, que é acusado de furto por ter subtraído os gravadores usados por dois jornalistas da revista Sábado durante uma entrevista.
O socialista, um dos vice-presidentes da bancada parlamentar, enfrenta uma pena de prisão até três anos, mas vai alegar que actuou em legítima defesa. Isso mesmo explicou no depoimento por escrito que fez para o processo (uma prerrogativa de ser deputado é poder responder por carta às autoridades judiciais).
Na sua versão dos factos, Ricardo Rodrigues explica que, à medida que decorria a entrevista – no dia 30 de Abril de 2010 –, os jornalistas Maria Henrique Espada e Fernando Esteves «iam aumentando o tom inquisitório». A gota de água aconteceu com a pergunta sobre o escândalo de pedofilia nos Açores, ao qual algumas notícias associaram o deputado em 2003.
«Levei comigo os gravadores para preservar o meio de prova do conteúdo e da forma como decorreu a entrevista», explicou no seu depoimento Ricardo Rodrigues, que num impulso, se levantou e saiu, sem que os jornalistas se apercebessem.
Foram precisos 30 segundos para que Maria Henrique Espada e Fernando Esteves dessem pela falta do material. Esteves correu para o corredor, mas o socialista tinha desaparecido.
Na mente de Ricardo Rodrigues, estavam casos recentes, em que a Justiça não conseguiu travar a publicação de notícias incómodas. «Basta ver a ineficácia da providência cautelar contra o SOL», escreveu ao Ministério Público, numa alusão à acção interposta por Rui Pedro Soares por causa de artigos sobre o caso Face Oculta.
O acaso fez Ricardo Rodrigues encontrar naquele dia nos corredores do Parlamento – onde estava a decorrer a entrevista –, o amigo e juiz-desembargador Eurico Reis, acabado de sair de uma sessão na qual participara como representante do Conselho de Reprodução Medicamente Assistida.
Rapidamente o deputado explicou ao magistrado a situação em que se encontrava. E recebeu um conselho: entregar os gravadores a uma entidade oficial, que ficaria como fiel depositária dos bens ‘apreendidos’.
Rodrigues foi logo ter com o responsável pela segurança da Assembleia – mas o tenente coronel Pimenta recusou ficar com os gravadores.
O passo seguinte foi ligar para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mas o regulador também não quis ficar com o produto do ‘confisco’, alegando que isso não estaria nas suas «competências».
À saída do Parlamento, os jornalistas ainda se cruzaram com o deputado, mas Ricardo Rodrigues já saía com a ideia de dar «tratamento adequado» ao material.
Os dois aparelhos Olympus, no valor de 100 euros cada, seriam entregues três dias mais tarde no tribunal cível, juntamente com uma providência cautelar para tentar impedir que a Sábado chegasse às bancas. Nessa acção, o deputado alegava a «hora tardia» – a entrevista foi dada por volta das 15h de uma sexta-feira –, para justificar que não foi possível «socorrer-se da força pública, que era inexistente no local». Isto, apesar de se tratar da Assembleia da República.
Os argumentos não convenceram o juiz e a providência foi indeferida. E, no dia 9 de Setembro, após queixa-crime da Sábado, Ricardo Rodrigues foi constituído arguido.
Num dos gravadores, da jornalista Maria Henrique Espada, estavam uma entrevista à deputada Inês de Medeiros e conversas para um perfil de Diogo Leite Campos, com algumas informações sobre a sua vida privada.
Mas o material mais sensível das gravações da jornalista da Sábado era o produto de mais de um ano de trabalho para um livro sobre Alberto João Jardim. Na sua maioria, essas entrevistas foram dadas em off, tendo os entrevistados revelado informações sensíveis por terem tido de Maria Henrique Espada a garantia do sigilo das fontes.
Por estar em causa a liberdade de expressão, o Sindicato dos Jornalistas quis constituir-se assistente no processo. Mas o juiz não encontrou fundamentos para esta pretensão e indeferiu-a.
in Sol