A devoção ao Divino Espírito Santo é forte nos Açores, onde, muitas vezes por promessa, se oferecem refeições e esmolas a centenas de pessoas em nome da terceira pessoa da Santíssima Trindade.
As festas em louvor do Espírito Santo têm características diferentes de ilha para ilha e mesmo entre as várias freguesias, mas mantêm em comum a oração, a coroação na missa e a distribuição de esmolas.
Na ilha Terceira, o domingo de Pentecostes e o da Trindade (sétimo e oitavo a partir da Páscoa), são dias de Bodo, em que mordomos ou imperadores, consoante as freguesias, organizam uma função (almoço tradicional) e distribuem pão, carne e vinho.
Nos seis domingos entre a Páscoa e os Bodos, os símbolos do Espírito Santo (coroas, cetros e bandeiras) circulam pelas casas dos irmãos das diferentes irmandades, ou porque o pediram para cumprir uma promessa ou porque lhes calhou o pelouro (papel retirado à sorte para atribuir o Espírito Santo em cada semana).
O marido de Gorete Sousa já foi duas vezes mordomo na freguesia de Santa Bárbara, na Terceira, mas este ano foi por promessa que acolheram o Espírito Santo em casa.
“O Espírito Santo ajuda-nos muito”, salientou Gorete Sousa, em declarações à Lusa, explicando que foi uma cirurgia a um tumor no cérebro que a fez prometer dar uma função para mais de 200 pessoas.
Por sua vez, o marido prometeu, também no âmbito da devoção pelo Espírito Santo, oferecer esmolas de carne.
“Matámos três vacas, metade de uma foi para o jantar e as outras foi em esmolas a dar aos membros convidados, amigos, primos e conhecidos e a algumas pessoas da freguesia”, explicou.
Durante uma semana, Gorete rezou o terço ao Divino Espírito Santo, na companhia de amigos e familiares, em frente a um altar montado para acolher as coroas que o simbolizam, oferendo-lhes no final bebidas e petiscos.
No domingo, os convidados acompanharam-na num cortejo, que partiu da sua casa até à igreja, ao som da filarmónica, levando as coroas e bandeiras.
No final da missa, ela, a nora e uma sobrinha foram coroadas e seguiram novamente em cortejo até à Casa do Povo, onde foi servida uma função, com a ementa típica desta época.
Gorete Pereira, a cozinheira da função, começou a cozer pão e massa sovada (pão doce) em fornos de lenha, com as tias, em Santa Bárbara, mas há 17 anos que se responsabiliza por todos os pratos.
A ementa começa com as sopas do Espírito Santo, acompanhadas por cozido, segue com Alcatra e termina com arroz doce, que só foi introduzido há alguns anos.
As sopas são feitas de pão duro e um galho de hortelã, sobre os quais é deitado um caldo em que é cozida a carne de vaca e temperos dentro de uma saquinha.
Naquela zona da ilha, a sopa leva também batatas e repolho e é acompanhada por cozido com vários tipos de carnes, linguiça, batatas, cenouras e repolho.
A alcatra, prato típico da ilha Terceira, é feita num alguidar de barro, de preferência em forno de lenha, com carne de vaca e, segundo Gorete Pereira, “um bom vinho”.
A organização de uma função de Espírito Santo requer muito trabalho e despesa, mas há sempre quem ajude, com trabalho voluntário, dinheiro ou géneros, ainda que Gorete Pereira lamente que as gerações mais novas não colaborem tanto.
Lusa