O Natal é a época do ano em que, tradicionalmente, os produtores de ananás ‘esfregam as mãos’ de contentes. Percebe-se porquê: a procura interna e externa do fruto cobre e até ultrapassa a oferta, tornando a cultura economicamente mais rentável.
Porém, não foi isso que aconteceu este ano. Há algumas semanas, cerca de dez toneladas de ananás acabaram por ir para o lixo ou para instituições de caridade por não terem sido expedidas para o Continente, nem vendidas ou consumidas localmente.
Motivo? Os produtores foram apanhados de surpresa com o efeito de alterações climáticas que provocaram o amadurecimento precoce do fruto, sem que a sua comercialização se concretizasse no prazo previsto. Rui Pacheco, da cooperativa Profrutos, explica os contornos de um fenómeno que os agentes do sector julgavam já estar estabilizado: “As temperaturas mais altas do que o habitual provocaram um adiantamento do estado de maturação da fruta que era para ser comercializada neste Natal”. A transformação foi rápida. De tal maneira que, se os produtores viam o ananás verde numa semana, na outra a seguir já estava totalmente amadurecido. Um curto hiato de tempo que, segundo aquele responsável, fez “antecipar o ciclo de produção em duas semanas”, afastando a possibilidade do produto ser colocado atempadamente no Continente – o seu principal destino de exportação. Fora do circuito de mercado ficaram dez toneladas de ananás, incluindo as que não chegaram a apodrecer e foram doadas pela Profrutos a instituições de solidariedade social. “Houve perdas consideráveis porque não houve mercado, nem alternativas para o que quer que seja”, constata.
Mas os problemas do sector não se confinam a uma produção maior do que a procura. Há ainda a invasão de abacaxi e fruta da América do Sul e África nos mercados nacional e regional, a preços bastante mais baixos do que os praticados para o ananás que sai das estufas da Fajã de Baixo e Vila Franca do Campo, as duas localidades demarcadas de São Miguel. Depois há a pouca disponibilidade de carga dos transportes aéreos, e ainda as limitações normais decorrentes da má conjuntura económica e financeira.
Para a Profrutos, cooperativa que representa 70% da actividade, a questão que se levanta agora tem a ver com a produção excedentária de ananases mais pequenos, de menor valor comercial. Rui Pacheco afirma que o ‘rei dos frutos’ vende-se localmente a preços muito baixos, sobretudo os que pesam entre 500 gramas a 1 quilo, que não têm tradição de escoamento para o Continente. Embora menos volumosos, estes ananases traduzem 20 por cento da produção global. Na verdade, são doces e não perdem qualidade em relação aos mais robustos, mas actualmente estão a ser vendidos por um euro/quilo, ou pouco mais do que isso. “Haverá produção excedentária sem possibilidade de colocação dos pequenos ananases no continente e, portanto, serão consumidos localmente”, refere o dirigente cooperativo. O “prejuízo acrescido” para os produtores de ananás também é uma questão de sorte. Ou azar. Neste caso azar, porque os ananases que se perderam há semanas seriam todos vendidos e expedidos no navio que parte esta semana para o continente.
Pressão imobiliária mais reduzida
Caiu a venda de prédios a promotores imobiliários que têm vindo a transformar estufas de ananases em edifícios de apartamentos.
A crise levou a um abrandamento no mercado habitacional dos Açores, razão pela qual a pressão dos construtores sobre os donos de estufas para venderem os respectivos terrenos também se faz notar. A cultura centenária nos Açores não está, por isso, tão ameaçada pela expansão urbanística e habitacional nos arredores de Ponta Delgada e Vila Franca do Campo. Rui Pacheco entende que agora o desafio é outro para os produtores: o de fazerem com que a produção se “espalhe” mais pelo ano e não esteja tão concentrada em apenas duas épocas – em meados e finais do ano, as mais lucrativas.
O responsável pela Profrutos quer ainda condições para potenciar a cultura, como a criação de estufas mais produtivas. Os Açores produzem mais de 1500 toneladas de ananás por ano, o que representa mais de 3 milhões de euros.
in Aoriental / Paulo Faustino