A partir de agora as dívidas à Segurança Social superiores a 3500 euros podem ser consideradas fraude e resultar numa pena de prisão até três anos ou multa até 180 mil euros, no caso de pessoas singulares, ou de até 3,6 milhões de euros, no caso das empresas.
A nova regra resulta das alterações do governo ao Orçamento do Estado para 2013. Com a medida – o limite da dívida era até aqui de 7500 euros –, o governo tem como objectivo obrigar as empresas a pagar à Segurança Social os descontos relativos aos seus trabalhadores.
O presidente da Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas (ANPME), Nuno Carvalhinha, considera esta alteração um desastre. Os trabalhadores independentes, por seu lado, dizem que vão acabar por ser os mais prejudicados.
“Uma grande parte das pequenas e médias empresas tem dívidas para com a Segurança Social ou situações por regularizar. Dessas, mais de 90% são dívidas superiores a 3500 euros”, afirma Nuno Carvalhinha ao i.
Para o presidente da ANPME, “isto significa que vamos ter a instauração de muitos processos-crime, que acabarão por reverter para os gestores dessas empresas. Serão milhares e milhares de processos a ir parar aos tribunais”.
Nuno Carvalhinha diz ainda que não vê “que esta seja uma medida que ajude as PME nacionais ou tão-pouco que seja dissuasora” da fuga ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social. “Quando as empresas não pagam não é por não querer, é por não ter dinheiro para pagar. A Segurança Social é elevadíssima, o IRC também e não há dinheiro. O que pode acontecer é aumentar o número de insolvências de empresas”, remata o responsável.
A medida agora em vigor não tem efeitos retroactivos, explicou ao jornal i Joaquim Lampreia, sócio coordenador do escritório de advogados Vieira de Almeida & Associados.
Mas as penalizações podem ser graves. A moldura penal implica uma multa de até 720 dias para pessoas colectivas, ou seja, até 3,6 milhões de euros. No caso das pessoas singulares pode significar uma pena de prisão até três anos ou uma multa até 180 mil euros.
Também os trabalhadores independentes criticam as novas directivas. As associações de profissionais liberais estimam que em Portugal existam mais de 1 milhão de trabalhadores a recibos verdes. O número não é confirmado oficialmente e o Ministério da Solidariedade e Segurança Social diz que são 440 mil.
Certo é que em 2012 houve perto de cem mil cobranças coercivas a trabalhadores independentes. Mas também nesta matéria governo e trabalhadores têm entendimentos diferentes.
A Provedoria de Justiça confirma que a razão não está sempre do lado de quem cobra. No ano que terminou, o provedor Alfredo José de Sousa recebeu cerca de 200 queixas de contribuintes devido a erros processuais da Segurança Social.
Mas em matéria de trabalhadores independentes as opiniões dividem-se entre os falsos e os verdadeiros recibos verdes. Os primeiros receiam ter de pagar a factura que nalguns casos devia ser suportada pela entidade empregadora. Só em 2012, 32 960 entidades foram notificadas para pagar as contribuições devidas ao Estado dos 5% [de descontos obrigatórios pelas empresas empregadoras] relativos ao trabalhadores independentes: em causa estão 64 503 trabalhadores.
Legalmente, trabalhar com recibos verdes é apenas para quem não tem vínculo laboral. Se um trabalhador está sujeito a um horário de trabalho, hierarquia, salário fixo ou qualquer tipo de disciplina laboral, não devia passar recibos verdes.
Recentemente, Cristina Perry, tradutora, escreveu uma carta ao Instituto da Segurança Social a queixar-se disso mesmo. “Os falsos recibos verdes trabalham para uma empresa, com salário fixo, mas passam recibos verdes. Para eles não há o problema de quebra de rendimentos e se ficarem sem trabalho fecham actividades e não têm de pagar segurança social. Nós, os verdadeiros, temos de continuar a pagar a mesma taxa ainda que os rendimentos diminuam e só têm direito a subsídio de desemprego aqueles que realizaram mais de 80% do seu trabalho para uma única entidade”, disse ao i.
No ano passado, 70% do rendimento dos trabalhadores independentes estava sujeito a IRS – imposto sobre o rendimento singular. A partir deste ano ficam sujeitos a IRS 75% dos rendimentos (o governo chegou a apontar para 80%, mas recuou cinco pontos percentuais). Além disso, estes trabalhadores sofrem os mesmos aumentos de impostos que os restantes contribuintes na sequência da alteração de escalões do IRS e da sobretaxa de 3,5%.
Para Cristina Perry a solução é só uma: ou recebe menos e paga menos, ou tem de fechar a actividade.
Fonte: IOnline