O documentário – diário pessoal, género que parece ser insuficiente para o produto final – de Gonçalo Tochas sobre a ilha do Corvo, é de uma extraordinária criação.
É arrebatadora a forma como o realizador e produtor, juntamente com Didio Pestana, conseguem captar a essência, o perfume daquele pedaço de terra, nosso, no mais ocidental da ocidental Europa. Aquela ilha, que se mostra um bastião de resistência, no meio de um oceano em permanente fúria, e de um vento em constante ebulição, é-nos revelada de uma forma que só julgávamos possível se nela pisássemos, se nela tocássemos, se nela sentíssemos o seu cheiro, se a escutássemos, no meio do silêncio do Alântico.
A premissa por que começa a longa-metragem, de conhecer todas as pessoas, todas as casas, todas as pedras, todas as vacas, cabras, porcos, de conhecer tudo, numa ilha com 440 corvinos, parece ter ficado bem presente no decorrer desta aventura em que fomos convidados a entrar.
O Ti Zé Pedro, a dona Inês, que costura o boné (típica dos lavradores e baleeiros da ilha), o Baptista, e todas as personagens – riquíssimas – que Gonçalo Tochas teve a capacidade de nos trazer, são personagens naturais, inseridas numa paisagem, que só ali, no Corvo, poderíamos encontrar.
Há um certo bucolismo nas imagens e no som captados. Somos levados a um outro estado, difícil de compreender, para quem não é açoriano. Mesmo assim, parece que em cada ilha há um Açores diferente e, por mais açorianos que sejamos, nunca deixamos de nos surpreender.
O sangue açoriano do realizador não é seguramente alheio ao resultado alcançado. À profundidade e intimidade que ali registou e que connosco partilhou. O próprio confessou, a um jornal da região, que o Arquipélago é “memória de infância, de fascínios” que o “salvou na sua infância e na sua vida”. A beleza nas imagens e nas palavras fazem de Gonçalo Tochas um embaixador do melhor do que somos feitos. O gesto de, primeiro mostrar o filme no Corvo, antes de em qualquer outro sítio, é de quem ficou profundamente tocado e ligado àquela realidade e àquelas pessoas.
Em “É na Terra, não é na Lua” há uma certa magia, a tal “Natureza Mágica”, que nos encanta, que nos abre o coração e desperta em nós uma enorme vontade em agarrar uma mochila e seguirmos os passos ali percorridos. De conhecer todas as pessoas – e não meras personagens – todos os cantos, todas as casas, toda aquela vida, naquela vila, mais a oeste do que nunca.
Maria João Avillez – também deslumbrada pelas inacreditáveis três horas de película – escrevia no Público (27/04/2012) que “é fácil filmar o mar e o céu. Filmar a “alma” é para raros”. Foi o que Gonçalo Tochas fez. A ele lhe devemos o facto de nos ter trazido um pedaço de nós, porventura, desconhecido, e de, com isso, nos fazer sentir mais orgulhosos do que nunca da nossa alma açoriana.
João Luís Mendonça Gonçalves
(estudante universitário | natural da ilha de São Jorge)