Além dos Açores se terem afirmado novamente como região portuguesa recordista ao nível da abstenção (78,30%), as Europeias foram negativamente marcadas pela duplicação do número de votos em branco.
Domingo passado foram depositados nas urnas 165 mil votos em branco, enquanto nas eleições de 2004 houve 87 mil. Os números não reflectem propriamente desinteresse pela natureza deste acto eleitoral, mas sobretudo insatisfação do eleitorado com o PS e com o próprio sistema político-partidário. Vários politólogos contactados pela Lusa consideraram que em causa está uma “manifestação activa do descontentamento” das pessoas derivada daquelas duas razões.
É o que pensa o investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, Manuel Meirinho, para quem as Europeias favorecem o voto em branco e a punição a quem governa. “O voto em branco quando atinge estes valores representa claramente um segmento que não encontra qualquer opção [política], o que começa a ser preocupante mas também começa a ser normal.
São eleitores que querem cumprir o seu dever cívico, é uma cidadania activa, mas não encontram na oferta política nenhuma opção”, diz Manuel Meirinho. Em seu entender, todos os votos em branco “davam para eleger um eurodeputado e que isso tem um significado muito grande”, visto que “o limiar de representação nas europeias é de 3,3 por cento”. Isto é, qualquer coisa como 150 mil votos.
No mesmo sentido opinou à Lusa o politólogo Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro. “Se somarmos, os votos nulos e brancos elegiam um mandato em branco ou nulo, portanto há um aumento muito substancial que reflecte um certo descontentamento com o sistema partidário e que os novos partidos também não conseguiram capitalizar”.
Quanto aos votos em brancos infligirem uma penalização ao PS e ao Governo de Sócrates, Jalali avança com uma explicação mais abrangente: “há várias opções para fazer o protesto, há mais de dez partidos a concorrer, mas quando se votam brancos e nulos a probabilidade de existir uma rejeição é mais forte, porque o eleitor fez questão de não escolher nenhuma das opções”.
António Costa Pinto, investigador do ICS da Universidade de Lisboa, deixou claro que os cabeças-de-lista dos partidos às Europeias não foram a razão mais determinante para os resultados eleitorais obtidos domingo: “Não acho que os cabeças-de-lista tenham tido um grande efeito, quer na negativa quer na positiva, não acho que a presença de Nuno Melo na comissão do Banco Português de Negócios (BPN) tenha sido decisiva como não acho que a presença de Vital Moreira tenha sido a causa da derrota do PS”.
Nestas Eleições Europeias votaram pela primeira vez, presencialmente, todos os emigrantes portugueses (elegem um eurodeputado) e, de acordo com os dados oficiais disponíveis, o seu nível de abstenção atingiu valores muito elevados, na ordem dos 97,5%.
No passado, recorde-se, os emigrantes residentes na Europa podiam eleger deputados através da votação por correspondência.
Paulo Faustino (AO)