É “insuficiente” ser só o Hospital da Horta a fazer a IVG

hospital-hortaOs números e a realidade da Interrupção Voluntária da Gravidez nos Açores numa entrevista ao médico Luís Decq Mota, responsável pelo único serviço a fazer a IVG na Região.

 

 

Luís Decq Mota tem 60 anos. Natural de Ponta Delgada, veio muito novo para o Faial. Formou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, cidade onde também fez a especialidade de obstetrícia. Em 1982 regressou ao Faial, onde actualmente é o director do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital da Horta, o único nos Açores onde é praticada a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).

 

 

 

 

Quase dois anos após a despenalização da IVG ter entrado em vigor, que balanço faz da sua aplicação aqui nos Açores? Quantas IVG já foram feitas no serviço que dirige?

 

Tenho registadas aqui no Hospital da Horta cerca de 180 Interrupções Voluntárias da Gravidez. Não tenho acesso aos números das IVG que foram feitas por mulheres açorianas fora da Região, mas sei que nos primeiros seis meses tínhamos realizado aqui na Horta pouco mais de 50 por cento do total de IVG. Penso que agora essa relação deve manter-se semelhante. Acho que a despenalização da IVG veio demonstrar que havia um número muito significativo de gravidezes indesejadas e muitas delas iriam terminar seguramente em abortos clandestinos, com riscos graves para a saúde. Mas é difícil poder responder condignamente às necessidades da Região, sendo só o Hospital da Horta a praticar a IVG.

 

 

 

 

O Hospital da Horta é o único a fazer actualmente a IVG nos Açores. É suficiente?

É absolutamente insuficiente… De acordo com as possibilidades do serviço, estabelecemos um número de IVG que podemos fazer por semana, que anda à volta das quatro, deixando a porta aberta para uma eventual emergência. Não vamos mandar para fora nenhuma mulher proveniente da nossa área de influência, mas temos de assegurar vagas para as mulheres provenientes dos outros hospitais. Por isso, estamos a fazer quatro IVG em média por semana aqui, que é o que podemos fazer.

 

 

 

 

E as solicitações nos Açores ultrapassam essas quatro vagas?

Penso que sim, porque tenho muitas vezes pedidos de São Miguel e da Terceira para IVG, quando aqui já atingimos o nosso limite e não podemos responder. Nessas situações, as IVG têm de ser feitas no continente.

 

 

 

 

De que ilhas vêm maioritariamente as mulheres que praticam a IVG no Hospital da Horta?

Vêm mulheres de todas as ilhas, mas não há dúvida que o número mais significativo vem de São Miguel e da Terceira. Na zona de influência do Hospital da Horta, que engloba as ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo, os números andarão entre os 10 a 15 por cento do total de IVG que aqui são feitas.

 

 

 

 

Como é que decorre o processo de uma IVG? Quanto tempo leva entre um pedido e a sua concretização?

O processo é relativamente simples. A IVG é permitida, concretamente, até às nove semanas e seis dias. É sempre bom a gravidez vir datada, que é o que acontece com as mulheres que vêm do Hospital de Ponta Delgada. Mas isso não acontece com as mulheres que vêm do Hospital de Angra e já tem acontecido chegarem aqui mulheres que estão fora do prazo legal para a IVG. Nesses casos, não a podemos fazer. De resto, após sermos contactados e havendo disponibilidade, tentamos marcar para a semana em que a IVG é solicitada.

 

 

 

 

É possível diferenciar o perfil das mulheres que fazem a IVG nos Açores do perfil das que a fazem no continente?

Não há um perfil especial… Tenho tido de tudo: jovens, menos jovens, só com a escolaridade obrigatória, mas também licenciadas, domésticas, empresárias… A maioria está entre os 20 e os 30 anos, embora haja um número que já se pode considerar significativo de mulheres abaixo dos 20 anos e até uma meia dúzia de casos de mulheres muito jovens, abaixo dos 16 anos. Também há alguns casos acima dos 40 anos. Esse é um problema transversal a toda a sociedade, por umas razões ou por outras…

 

 

A lei diz que a IVG até às 10 semanas é por exclusiva decisão da mulher e, por isso, não questionamos as decisões… Apenas verificamos se a IVG pedida está de acordo com as exigências da lei… Claro que, muitas vezes, as mulheres tentam justificar-se na consulta e, realmente, são os problemas socioeconómicos os que mais são referidos…

 

 

Penso que fazer a IVG aqui ou no continente depende sobretudo da confidencialidade. Por exemplo, se no Hospital da Horta aparecer uma mulher a falar à moda de São Miguel, facilmente se conclui o que é que ela veio cá fazer…

Depois há também a falta de capacidade de resposta da Região, que dá a possibilidade de se fazer a IVG fora dos Açores, de uma forma mais incógnita, apesar do nosso esforço em não diferenciar as mulheres que vêm fazer a IVG das outras que vêm aqui ao nosso serviço por outros motivos. Não queremos ‘guetos’… Se criarmos uma consulta só para a IVG, logo se sabe que todas as mulheres que estão ali vão fazer uma IVG. Por isso, fazemos as consultas da IVG juntamente com as outras consultas, sem fazer diferenciação.”

 

 

 

 

 

 

Rui Jorge Cabral (in AO)

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