Ex-diretor do Fisco responsabiliza Paulo Núncio pela não publicitação de transferências para ‘offshore’

O antigo diretor-geral do fisco Azevedo Pereira garante ter solicitado, por duas vezes, ao ex-secretário de Estado Paulo Núncio autorização para publicar dados relativos às transferências dinheiro para ‘offshore’, mas “em nenhum dos casos” esta lhe foi concedida.

Num esclarecimento enviado às redações a noite passada, o ex-diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) afirma que, na primeira vez, o ex-secretário dos Assuntos Fiscais lhe pediu uma “alteração na estrutura da informação a divulgar” e, depois de feita, não respondeu.

Quanto ao segundo pedido, Azevedo Pereira esclarece que Paulo Núncio limitou-se a despachar com um “visto”, “mas não autorizou a sua divulgação, tal como lhe foi solicitado”.

Em causa estão transferências de dinheiro para paraísos fiscais concretizadas entre 2011 e 2014, durante a governação PSD-CDS, sem qualquer controlo estatístico por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, como a lei obriga, e que levaram já os partidos com assento parlamentar a solicitar uma audição urgente do atual e do anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Na nota com nove pontos enviada a noite passada às redações, Azevedo Pereira admite poderem ter existido “erros de perceção” na troca de informação com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo PSD-CDS com vista à publicitação dos dados das transferências para as ‘offshore’.

No entanto, considera que esses “erros de perceção” “nunca demoram quatro anos a resolver” e conclui que, se Paulo Núncio tivesse a intenção de os fazer publicar, teria tido oportunidade de o fazer ao longo dos quatro anos seguintes, até à sua saída do governo, em novembro de 2015.

Na justificação enviada aos jornais, Azevedo Pereira começa por esclarecer que “em tempo” a AT propôs ao secretário de Estado a publicitação dos dados das transferências para paraísos fiscais.

“Tal proposta de publicação foi solicitada por duas vezes (na prática, como veremos, três vezes), através do envio de processos contendo, no primeiro caso, a informação relativa 2010 (reportada pelas instituições financeiras em meados de 2011) e, no segundo, a informação relativa a 2011 (reportada pelas instituições financeiras em meados de 2012)”, afiança.

Só que — prossegue -, “em nenhum dos casos, a correspondente autorização foi concedida”.

“No primeiro caso, o despacho do SEAF (secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) solicitou uma alteração na estrutura da informação a divulgar. Tal alteração foi levada a cabo tendo a proposta de publicação sido apresentado de novo à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. Tanto quanto me é dado lembrar – encontramo-nos neste momento a mais de cinco anos de distância destes factos – tal solicitação nunca terá merecido resposta da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais”, justifica.

Quanto ao segundo caso, Azevedo Pereira diz que “a informação em causa foi preparada de raiz para acomodar a solicitação efetuada pelo SEAF na resposta ao primeiro pedido de publicação, tendo sido remetida à Secretaria de Estado no início de Novembro de 2012″.

“No entanto, o SEAF devolveu o processo à AT – em meados de Junho de 2014 – apenas com um despacho de “Visto”. Ou seja declarou ter tomado conhecimento dos elementos que lhe foram comunicados mas não autorizou a sua divulgação, tal como lhe foi solicitado”, sustenta.

E reforça a ideia de que o ‘visto’ não significa autorização: “o despacho de “Visto”, sem qualquer decisão associada, em linguagem corrente da administração pública, quer dizer exatamente aquilo que literalmente afirma. Ou seja, a mensagem é, sumariamente, vi e tomei conhecimento daquilo que propõe, mas uma vez que não lhe estou a responder afirmativamente, não o autorizo a proceder como sugere”.

O antigo diretor-geral chega mesmo a equacionar, “por redução ao absurdo”, a possibilidade de o secretário de Estado ter pretendido a publicitação dos dados e o ocorrido ter-se ficado a dever a um “mal-entendido”, ou seja, que tudo se tenha ficado a dever a um “erro de perceção” da sua parte.

“Naturalmente, estes erros de perceção podem demorar dias, ou, na pior das hipóteses, meses a sanar. Contudo, nunca demoram quatro anos a resolver – ficando inclusivamente sem solução ao longo de todo o período em causa e transitando para o executivo seguinte”, sublinha, para tirar a conclusão logo de seguida.

“Ou seja, caso tivesse sido intenção do SEAF, da altura, disponibilizar publicamente a informação produzida, teria tido a possibilidade de, em qualquer momento, ao longo dos quatro anos seguintes (com o ex-Diretor-Geral que escreve estas linhas, ou com qualquer dos que se lhe seguiram) anular o suposto “erro de perceção”, mediante a emissão de uma indicação, formal ou informal, de natureza contrária aquela que na altura foi transmitida à AT”, remata.

 

 

Lusa

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