Na primeira grande entrevista enquanto ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas aceitou falar de si e do seu percurso de vida. De olhos nos olhos, sorriso largo, conversou com o Expresso sem medos. Antes, uma maquilhadora profissional, a mesma que acompanhou o primeiro-ministro José Sócrates durante a campanha para as legislativas, tratara-lhe o visual. “Sou ministra, mas também sou vaidosa. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.” E não. Mas o seu discurso fluente e organizado, mais contido em tudo o que diz respeito ao foro pessoal e mais solto na matéria política, não deixa nunca de ondular entre um charme discreto e um jogo de sedução muito próprio. A determinação marca-a e faz com que deixe os afectos para segundo plano. Trocou o piano pela secretária. Definitivamente.
Nasceu em Sá da Bandeira, Angola. Tem alguma memória de África? De todo. Não tenho qualquer recordação de Angola. O meu pai era militar, a minha mãe professora primária. E nessa altura, quando se ia para a guerra, levava-se a família. Nas diversas comissões militares do meu pai foram nascendo filhas. Eu nasci em Sá da Bandeira, mas regressei aos Açores ainda bebé, não tenho nenhuma relação com Angola. Numa comissão posterior do meu pai em Moçambique, sim. Tinha 4 anos e guardei já algumas memórias. Estive lá quase dois anos. Lembro-me claramente das galinhas-do-mato, que é aquele animal tão estranho e tão diferente…
É nos Açores, então, que tem as mais marcadas recordações de infância? Claramente. Os Açores são a minha matriz, diria.
Viveu entre as duas ilhas, Flores e São Miguel? As Flores eram a terra da minha mãe, a ilha onde se passavam as férias de Verão. Sou do tempo em que se ia para as Flores de navio. Saíamos de Ponta Delgada e levávamos três dias a chegar às Flores. Íamos dormir uma noite à Terceira, depois no outro passávamos pelo grupo central e dormíamos no Faial, e só no terceiro dia é que chegávamos às Flores. Isto dava uma noção de arquipélago e de região muito especial. Quem viva sempre em São Miguel, por exemplo, tem tendência a esquecer que está num arquipélago, porque a distância para as outras ilhas é muito grande e a dimensão da ilha é suficientemente grande para satisfazer uma espécie de necessidade de implantação de território. Portanto, o lado insular só é sentido verdadeiramente por quem circula pelo arquipélago.
Esse lado insular sente-se desde criança? Eu não senti. Viajávamos bastante. Eu vinha a Lisboa com alguma frequência. Vivi dois anos nos Estados Unidos. Todos os açorianos têm uma costela americana. Quando éramos miúdas, noutra comissão longa do meu pai, num sítio difícil onde a família não foi, a minha mãe agarrou nas filhas e fomos todas para os Estados Unidos, para uma terrinha nos arredores de Boston. Já era mais crescida, tinha 6 ou 7 anos, e foi um período que também me marcou. Foi uma abertura ao mundo… Vi televisão pela primeira vez… Não se esqueçam que a televisão nos Açores só apareceu em 1976… Esta noção de mundo que só os Estados Unidos podem trazer foi muito importante na minha formação.
Como nasceu a vocação para o piano? Mais uma vez, foi a visão da minha mãe que esteve na base desta relação com as artes. Do lado do meu pai há uma tendência artística clara, que se manifesta em vários elementos da família, mas não há nenhum caso verdadeiramente profissional. Mas a minha mãe teve a preocupação, quando éramos miúdas, de nos levar a ter aulas particulares de pintura, de música, enfim, de várias valências, que só um meio pequeno pode proporcionar. Portanto, foi no âmbito daquilo que se chama complemento curricular de formação que se começou a sedimentar essa vocação. Depois, quando terminei o liceu, a opção estava feita. Ia prosseguir os meus estudos na música.
Alguma das suas irmãs seguiu também uma vertente artística? Sim, a minha irmã mais velha é pintora, poetisa e uma mulher muito voltada para a reflexão alternativa da vida. A minha irmã mais nova também seguiu piano.
Fixou-se em Lisboa logo a seguir. Sim. Vim sozinha. Tinha 17 anos. Devo dizer que desde antes dos 17 anos comecei logo a estudar e a trabalhar. Sustento-me e sou auto-suficiente desde um mês antes de fazer 18 anos.
Fazia o quê? Dava aulas de música e ao mesmo tempo terminava o curso superior. Foi esta a grande determinação para vir para o continente.
Quando chegou a Lisboa, sentiu-se deslocada? Não. Eu acho que os açorianos são sempre cidadãos do mundo. Essa é uma característica que nos marca e que, de certa maneira, também justifica e fundamenta a razão pela qual há tantos açorianos espalhados pelo mundo e até em situações de conquista de espaço. Dificilmente um açoriano se sente fora do seu ambiente.
Continua a conviver com pessoas dos Açores? De facto, durante muitos anos, cortei ligações com os Açores. Só lá ia para estar com os meus pais e nem o fazia todos os anos. Não tinha uma relação próxima. Depois de estar profissionalmente estabelecida, comecei a ir novamente aos Açores. Desenvolvia actividades de carácter cultural, musical, em articulação com o Governo Regional.
Está a falar do Festival MusicAtlântico? Sim. O festival fez com que a minha relação com os Açores se tornasse mais forte, através da via profissional. Aqui, no continente, dou-me com alguns açorianos, mas não cultivo um sentimento de diáspora.
Quando foi nomeada directora regional da Cultura dos Açores, voltou para as ilhas com grande convicção. Com grande convicção mesmo. Por duas razões. Uma porque tenho imensa admiração pelo trabalho que o Carlos César desenvolve nos Açores, uma admiração genuína. Depois, porque achei e acho que todos nós, durante um certo tempo da nossa vida, devemos dedicar-nos a causas que tenham a ver com a nossa identidade. Achei que tinha até a obrigação de passar quatro anos na minha terra a contribuir para o seu desenvolvimento.
Pelo seu trajecto, depreende-se que a área da música de câmara lhe é particularmente querida. Porquê? Verdadeiramente, a música de câmara é uma espécie de crème de la crème da expressão instrumental. O território do solista é um território de grande exposição virtuosista individual, com um repertório de grande exigência técnica. É o espaço de excelência da afirmação do músico individual. Não podendo fazer parte da orquestra, onde o pianista tem oportunidade de se expressar noutro registo que não o de solista é na música de câmara. E porque é que é o crème de la crème? Porque é onde o diálogo e a relação entre os instrumentos se faz de uma maneira mais depurada. É quase como a poesia por oposição à prosa. Há, de facto, uma depuração de linguagem e de registo sonoro que faz da música de câmara um território muito especial, que aprendi a amar e a descobrir e que depois me conquistou por completo.
Isso obriga-a a trabalhar com outras pessoas. Exactamente, e isso tem a ver com o meu lado de comunicação. Sou uma comunicadora nata risos.
Dos compositores clássicos, há algum que lhe seja mais caro? Schubert. E repito Schubert, Schubert. Na área da música de câmara e do piano. Mais tarde na vida descobri Mahler, que hoje em dia faz as minhas delícias, é o meu compositor de eleição.
Foi fácil abdicar de uma carreira artística? A dificuldade grande deu-se quando fui para a Orquestra Metropolitana de Lisboa. Foi quando se fez a principal cisão na minha actividade musical de performance. Trabalhava, como habitualmente trabalho, 14 horas por dia. A manutenção da capacidade para tocar exige passar pelo menos duas horas por dia ao piano. Para triunfar, é preciso bastante mais. Portanto, a partir dessa altura, percebi que tinha feito uma opção: deixar a música para segundo plano.
E é mais fácil administrar ou gerir artistas ou ser artista? Nem uma coisa nem outra é fácil… Mas gostava de dizer que acho que não há nada mais difícil nesta vida do que subir a um palco e tocar ou dançar. A exposição individual do artista num palco e a forma despojada como ele se apresenta é elevar ao máximo a sua fragilidade. Não há nada mais difícil do que isso.
A política também é um palco. É verdade.
Há algum traquejo que vem da artista ou são palcos totalmente diferentes? O traquejo vem, sim. E devo dizer que se não tivesse subido aos palcos tantas vezes ao longo de 20 anos, em tantas circunstâncias difíceis, certamente seria mais difícil para mim a exposição pública que a actividade política impõe.
Sente que existem especificidades para gerir actividades artísticas diferentes das que existem para gerir outro tipo de actividades? Existem muitas. Estamos a lidar com um universo de pessoas que são particularmente frágeis, no sentido em que são muito sensíveis. A sua actividade assenta na exploração da sua sensibilidade e da sua fragilidade. Temos de reconhecer que o sector artístico é um sector que apresenta particularidades que requerem um tratamento diferenciado. Mas o facto de fazer parte do meio traz-me alguma facilidade de compreensão e de proximidade. Quanto à dificuldade de gestão, também acho que, desde que seja salvaguardada essa postura, as instituições culturais cada vez mais devem ser tratadas como empresas, olhadas do ponto de vista de uma organização empresarial. Isto traz lógicas de gestão mais consequentes e eficazes.
Disse publicamente que o Estado tem de estar onde os bens meritórios não funcionam com a lógica do mercado. Quem olha para a área da cultura tem a ideia de que ela não gera resultados para pagar essa actividade meritória. Há algumas áreas onde isto não é verdade? O conceito de cultura que hoje se utiliza, e do meu ponto de vista correctamente, é um conceito cada vez mais alargado. É um conceito que abrange todas as formas de expressão de um comportamento social de ligação às artes e à criatividade que já extravasa em muito o núcleo do conceito cultural que nós nos habituámos a associar. Esse, sim, é sempre deficitário e esse, sim, é aquele que mais se aproxima daquilo que nós consideramos os bens meritórios, aqueles que transformam o indivíduo pelo seu contacto, aqueles que fazem com que o indivíduo cresça, amadureça e se torne uma pessoa melhor.
Pode dar exemplos? Estamos a falar da expressão criativa que resulta em aquisição de conhecimentos e transmissão de saber e que funciona em cadeia com todo um processo histórico desde que o homem se organiza socialmente. A multiplicação ou a desmultiplicação destas formas de cultura em outras, seus sucedâneos, que vão ao encontro de novos públicos, que vão ao encontro daquilo que se chama hoje indústria do entretenimento, não deixam de ser expressões culturais e têm vindo a engordar, digamos assim, este grande guarda-chuva que se chama cultura. E têm dado provas, como os estudos económicos têm demonstrado, que são uma fonte de geração de riqueza muito significativa já. Agora é preciso que esses números não sejam lidos de uma forma ligeira e se perceba que os resultados da criação de riqueza do sector cultural se inserem nesta lógica de cultura de amplo espectro. Aquele núcleo da cultura tradicional continua a ser altamente deficitário, e esse é o núcleo onde o Estado tem de estar sempre presente para manter a sua perpetuação.
E para si o que é cultura? Cultura é a expressão de todos os comportamentos do homem em sociedade. É religião, é política, são costumes, os relacionamentos familiares…
E arte? A arte é aquilo que não é natura. É aquilo que o homem cria.
Qual é o papel do Ministério da Cultura MC perante estes dois conceitos? É um papel fascinante e muito abrangente. Por isso se torna necessário afirmar a sua importância, demonstrando pela prática a necessidade que existe de poder proporcionar a todos os cidadãos um contacto permanente com a cultura. Acho que o papel do MC é garantir aos cidadãos o contacto com uma série de expressões importantes para que se transformem em cidadãos mais esclarecidos, activos e lúcidos.
Enquanto pianista, ou agente cultural, como é que olhava para o MC? O MC sempre foi para os artistas o ponto da governação que assegura que o seu trabalho é regulado, é entendido e integrado depois numa lógica de desenvolvimento da sociedade portuguesa.
E depois de cá chegar? Da mesma maneira.
Foi apanhada de surpresa quando foi convidada para o cargo? (silêncio) Fui.
E não teve qualquer hesitação em aceitar? (silêncio) O sentimento que imperou quando soube que tinha esta possibilidade foi o de enorme responsabilidade. É isto que é importante para nós enquanto cidadãos: entendermos que também temos a responsabilidade de contribuir para o próximo, contribuir para o outro. Dentro do sistema que está montado, é o único meio de poder eficazmente contribuir para o desenvolvimento do país.
Para o cidadão comum, o MC é para onde olha um conjunto de agentes da área cultural à espera de patrocínios para poderem continuar a funcionar, e isso muitas vezes conduz a guerras. E, quando olhamos internamente para o MC, damo-nos conta de que a maior parte das verbas são para assegurar o seu funcionamento e as que sobram são escassas para suprir a todas estas necessidades. Esta é uma visão cínica do MC. É verdade o que diz, mas também é verdade que têm vindo a diminuir sistematicamente os custos de funcionamento do MC. Hoje em dia, a percentagem do orçamento do MC para o seu próprio funcionamento é menor do que era há alguns anos, portanto abre-se mais margem de investimento. É verdade, sim, que parte significativa da acção do MC é distribuir verbas via um sistema de apoios para se manter uma actividade cultural independente.
Há uma vontade sua de rever a forma de dar apoios. Queria evitar fazer revisões de legislação, porque é imperativo que o MC legisle com durabilidade, que não se esteja sempre a alterar as regras. Mas ainda não se encontrou o modelo perfeito. E, nestes quatro meses de mandato, cada vez mais me convenço que vai ter de ser preciso, mais uma vez, intervirmos e tentarmos melhorar o sistema.
Qual é o caminho? Estamos a falar de duas coisas. Uma é a forma de pôr em prática uma regulamentação que satisfaça mais os agentes no terreno. Outra é a própria filosofia e conceito de apoio. Um sistema que vai ao encontro da democratização da cultura e o livre acesso de todos aos apoios torna-se a longo prazo difícil de ser bem sucedido num enquadramento de restrição financeira e sobretudo sendo o MC ainda uma instituição com dificuldades em fazer o acompanhamento de cerca de 300 e tal projectos apoiados e fazer as suas avaliações ao nível da execução financeira. Devemos fazer essa avaliação e tirar as devidas conclusões, que, suspeito, indicarão que será melhor apoiarmos, até com mais dinheiro, menos projectos.
Será 2010 o ano da entrada em vigor do Acordo Ortográfico? Será, com certeza. Está a ser feita uma articulação entre o MC, o Ministério da Educação, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a PCM, que tutela a Imprensa Nacional-Casa da Moeda e o “Diário da República”. Vai ser produzida uma resolução do Conselho de Ministros, muito em breve, que vai fasear e dar indicações ao longo do ano 2010 a cada organismo do Governo para começar a aplicar o Acordo. Estão a ser dados passos todos os dias. Estamos a aguardar que nos seja entregue um conversor e um vocabulário feitos por encomenda do Governo, que serão de descarga grátis para qualquer pessoa ou instituição e que será um instrumento fundamental para que todos o possam ir integrando no seu quotidiano.
Essa é uma prioridade sua? Não é uma prioridade. É uma entre muitas. Temos um programa de Governo muito ambicioso na área da museologia, no património, nas indústrias culturais, no cinema… O leque é tão vasto.
Mantém as linhas definidas pelo seu antecessor: língua, património e indústrias criativas? Elas vêm expressas no programa do Governo, vamos cumpri-las. Mas a museologia, por exemplo, é outro dos nossos rostos públicos.
E onde tem havido problemas. Museus que não abrem em certos dias, falta de vigilantes, greves… É verdade. Mas isso faz parte do passado, porque o aumento do orçamento do MC, apesar de ter sido várias vezes minorado por múltiplas fontes, permitiu um aumento de 20 por cento de dotação para o Instituto dos Museus e Conservação e quase 20 por cento também para o IGESPAR, para o património, portanto. Nós, neste momento, temos as nossas instituições confortáveis com os seus orçamentos, o que lhes permite um quotidiano mais digno e com melhores meios para desenvolverem a sua acção.
Estão então ultrapassados os problemas dos museus? Sim, e queremos ir mais longe. Queremos encontrar mecanismos que nos permitam abrir os museus com entradas livres em certos dias da semana. Serão pequenos passos que, quem sabe com o apoio da iniciativa privada e no final da legislatura, nos possibilitem ter as entradas gratuitas, por exemplo, para os residentes em Portugal.
Mas o financiamento para a requalificação do património já é mais complicado de conseguir. Sem dúvida.
O estado do património é uma das coisas que mais a incomoda? Sim. Incomoda-me bastante, confesso. Porque nós não tivemos grandes surtos de reconstrução, não fomos avassalados por nenhuma guerra, mas fomos sistematicamente, ao longo dos séculos, vendo destruir o nosso património por falta de dinheiro, por incúria, por desconhecimento, às vezes, e nos últimos anos tem havido um esforço considerável, notável, ao qual queremos dar seguimento.
Quem são os grandes parceiros do MC dentro do Governo? Desde logo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros para toda a actividade que o MC desenvolve fora do país. Desde logo, o Ministério da Economia e o Turismo. Costuma dizer-se que a cultura deve muito ao turismo. Eu acho que isso só acontece numa fase transitória. Em breve é o turismo que vai dever tudo à cultura. Cada vez mais se quer um turismo cultural, com visitantes que venham conhecer a nossa identidade. Isso faz-se precisamente através de uma boa preservação do património, de uma oferta museológica de qualidade…
Essa ligação com o turismo está mais associada ao património? Não só. Aos grandes eventos mediáticos também. À dinamização cultural. Mas vamos também ter uma parceria muito interessante com o Ministério do Trabalho e Segurança Social. As negociações que estão a decorrer para criar o Estatuto do Artista, com mecanismos vários de protecção social, são em articulação e em solidariedade próxima com o Ministério do Trabalho.
O Estatuto do Artista é uma questão urgente? É uma questão muito importante. Estamos neste momento a fazer estudos comparados com estatutos de outras profissões para concebermos o nosso Estatuto do Artista em todas as áreas, nomeadamente na dança e na performance, que têm necessidades específicas. Até final de 2010, assumo o compromisso de apresentar uma proposta de estatuto, pelo menos para os bailarinos, que são o caso mais gravoso.
É possível contabilizar todas as verbas provenientes das parcerias interministeriais? É. São para cima de 60 milhões de euros, só para este ano.
Já anunciou a demissão do director artístico do São Carlos, Christoph Dammann. Quando haverá novo director? Estamos actualmente em fase de negociações para se fazer uma rescisão de contrato que espero que seja amigável. Isto acontece porque todos os dados a que tenho acesso e que vêm da sociedade civil, para além de frequentar o São Carlos, apontam no sentido de uma insatisfação permanente relativamente às propostas, à estratégia e ao conceito estético que está a ser impresso na programação do nosso único teatro de ópera em Portugal. Não podemos continuar a impor uma linha estratégica que não agrada aos melómanos. Não podemos ignorar esses sinais. Queremos que o consumidor de cultura se orgulhe do seu Teatro Nacional de São Carlos como se orgulhou no passado.
Está a falar de Pinamonti? O teatro tem uma longa história…
Mas já há ou não um novo director artístico para o São Carlos? Tenho uma pessoa em mente, que já foi abordada, sim, mas estamos em negociações serenas.
Quem é? Ainda não posso revelar. Mas devo dizer que quero tratar o Christoph Dammann neste processo com a maior dignidade e com o maior respeito. Não quero criar nenhuma situação acintosa.
Ainda não falámos do cinema. Considero o cinema uma das expressões artísticas mais importantes do século XXI.
Porque é que há 16 milhões de euros para apoio ao cinema bloqueados? Porque a sociedade gestora desse fundo não estava a desenvolver o seu trabalho. Já abri um concurso público para criar uma nova sociedade gestora e desbloquear a verba. Em 2010, a minha preocupação com o cinema é sentar-me com os vários agentes do sector e fazermos uma revisão total das regras do seu financiamento. Quero com todos chegar a uma legislação que funcione.
E conhece o cinema português, aprecia? Sim. O último filme que vi foi em Moçambique, foi o “Meu Querido Mês de Agosto”, de Miguel Gomes. Achei uma delícia. No avião também vi outro do Fernando Lopes. Tenho acompanhado e respeito o cinema português. Mas nunca mais tive tempo de ir ao cinema.
E escapadelas para ir a um concerto? Tenho ido a concertos, sim. Tenho feito um esforço particular nessa área, até porque tenho ido aos concertos nas instituições em que o MC tem interesse directo.
Nunca mais tocou desde que veio para o MC? Desde que vim para o Ministério não. Enquanto estive nos Açores, volta e meia tocava um bocadinho…
E a família e os amigos não se queixam do tempo que passa a trabalhar e não está com eles? Há muito tempo que a minha vida está demasiado focada no trabalho. Este afastamento da família e dos amigos é muito mau. Felizmente, tenho um marido solidário e companheiro, que me ajuda e estimula, que me instiga e que me apoia.
E a sua filha, não se queixa? Essa queixa-se muito mais…
Passou-lhe os seus dotes musicais? Passei. Aliás, a minha filha é muito mais musical do que eu. Tem um ouvido absolutamente impressionante. Toca várias coisas, nunca optou por seguir a via profissional, mas é de facto uma jovem com talento musical. É jornalista, by the way.
Se tivesse de decidir outra vez, escolhia o mesmo caminho? Eu nunca decidi nada. Quando se é chamado a uma responsabilidade como esta não se pode dizer que não. É uma obrigação nossa passar um tempo da nossa vida ao serviço dos outros.
Se calhar, tinha duas vocações e descobriu esta mais tarde… Não sei. Mas não é certamente uma vocação, é uma fase da vida. Não se é ministra. Está-se ministra.
Reportagem Expresso