Gaivotas predadoras de outras aves marinhas nos Açores

gaivotaOs Açores, pela sua localização remota e oceânica, têm uma grande importância para as aves marinhas. No arquipélago, já foram observadas mais de 80 espécies, sendo que dez nidificam regularmente na região. 

Grande parte destas aves tem sido alvo de campanhas de conservação, algumas porque enfrentam o risco constante dos predadores, que vão desde cães e gatos, a ratazanas e até mesmo gaivotas, a única espécie de ave marinha que permanece no arquipélago todo o ano. As demais são migradoras.

O recenseamento das gaivotas pode  funcionar, ainda que indirectamente, como uma forma de prevenir que esta ave se torne num predador furtivo. Segundo Verónica Neves, investigadora do Departamento de Oceanografia e Pescas  (DOP) da Universidade dos Açores (UAç), “este trabalho não  é tanto pela importância da gaivota em termos de conservação, pelas ameaças que enfrenta, ou pelo seu número estar a diminuir, antes pelo contrário”.

Uma vez que esta ave beneficia bastante das actividades humanas e se alimenta das lixeiras, a sua população pode estar a aumentar e pôr em risco outras aves marinhas, desde o garajau a aves nocturnas, como os paínhos. 

“Em 2004 fizemos um censo anual da gaivota em todo o arquipélago e verificámos que, em relação ao anterior (feito há 20 anos), tinha havido um aumento de 60 por cento da população”, o que é “muito considerável”, frisou.

 

Açores são ‘hotspot’ para o garajau-rosado

Dentro das aves diurnas, o garajau-rosado é uma das prioritárias em termos de conservação e das mais afectadas pelas gaivotas, nomeadamente as crias e os ovos.  

“Tem uma distribuição muito restrita na Europa. Existe apenas na França, Inglaterra, Irlanda e Açores”, sendo que estes dois últimos locais constituem  ‘hotspots’ para esta espécie  pois congregam quase toda a totalidade da população, declarou a investigadora ao “Ciência Hoje”.

Os trabalhos regulares de monitorização desta ave da ordem dos “Charadriiformes” (em que a maioria dos seus membros vive em zonas costeiras e se alimenta de invertebrados ou de outros animais menores) iniciaram no final da década de 80. De acordo com  a cientista, “sabia-se que o garajau-rosado era importante nos Açores, mas não se fazia ideia de como se distribuia e quais os seus quantitativos”. 

Os estudos levados a cabo desde então permitiram a identificação das colónias, dos locais mais importantes para a sua nidificação e saber-se que se distribuem em todas as ilhas. Também se começou a fazer recenseamentos anuais dessas populações e outros trabalhos de conservação como a fiscalização das colónias, a colocação de ninhos artificais e o controlo de predadores.

Comunicação pelo odor

Tendo também em vista a protecção das aves marinhas dos Açores, o DOP tem desenvolvido várias investigações que permitam criar estratégias de conservação. Uma delas, iniciada recentemente, visa o comportamento e os sinais químicos das cagarras, nomeadamente a utilização que fazem do olfacto para comunicarem entre si. 

A cagarra é um dos ex libris dos Açores, tendo ganho este ano o título de “ave do ano em Portugal”. Faz parte do grupo dos “Procellariiformes”, que agrega outras aves marinhas como a pardela, o paínho, a alma negra e o estapagado. É a mais abundante do arquipélago, nidificando, entre Fevereiro e Outubro,  em todas as ilhas e ilhéus, um pouco por toda a costa.  

“O odor pode ter particular relevância para as aves nocturnas, pois à noite não podem utilizar sinais visuais”, destacou Verónica Neves.  Estas usam muito o canto, mas os investigadores suspeitam que os sinais olfactivos possam ser importantes e que, através do cheiro, sejam capazes de escolher o seu parceiro, podendo haver uma ligação entre o odor individual e a condição corporal, a qualidade da ave e a sua saúde.

Este estudo ainda está numa fase inicial. Para já foram somente recolhidas penas, cujas amostras podem permitir identificar compostos que suportem o estudo da relação entre o odor do macho e da fêmea de cada ninho. Depois disso vão ser feitas experiências em que as aves vão ser colocadas em labirintos com dois tipos de odor, para se verificar qual aquele que seleccionam.  

Caso as suspeitas se confirmem, os investigadores do DOP vão poder aplicar os seus resultados em trabalhos de conservação, atraindo aves para algumas colónias através da reprodução dos odores que elas procuram.  “Já se verificou que outras espécies têm capacidade olfactiva, mas ainda não há provas de que o odor possa ser um sinal honesto da qualidade corporal da ave. Apesar de se saber que outras aves marinhas nocturnas são capazes de identificar o seu parceiro e o seu ninho, os mecanismos ainda não são conhecidos, pelo que há muito para estudar”, concluiu Verónica Neves.  

 

 

Em Ciencia Hoje, by Carla Sofia Flores

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