Historiador diz que “Auschwitz resulta de modernização do discurso das massas”

auschwitz-holocaustoO campo de concentração de Auschwitz foi consequência direta de uma determinada conceção de progresso que apenas seria possível num estado moderno, disse o historiador catalão Ferran Gallego em entrevista à Agência Lusa.

 

Para o historiador, que acaba de publicar em Portugal o livro “Homens do Führer”, temas como progresso, modernidade e arcaísmo são decisivos para entender a complexidade do III Reich.

Estes temas são detetáveis nas histórias pessoais de doze personagens centrais do regime que decidiu revelar e onde se incluem Anton Drexler, Gregor Strasser, Ernst Röhm, Robert Ley ou Martin Boormann.

“O que me interessa é ver como elementos aparentemente contraditórios passam a ser complementares numa situação de crise de civilização. Por exemplo, a modernidade e o arcaísmo”, referiu.

 

Nesta perspetiva, o racismo surge como um “elemento moderno”, e que será levado ao extremo com Auschwitz. “Para um nacional socialista, e pela descoberta da técnica biológica, o racismo é um elemento que deriva do darwinismo social, do conceito de degeneração, das causas da decadência genética de uma sociedade, dos elementos de desigualdade que existem numa sociedade, dos critérios para estabelecer quem pertence de uma forma decente à comunidade e quem, pela sua própria composição biológica, não pertence a essa comunidade”, acentua.

 

Assim, na sociedade alemã subjugada ao nazismo, ao elemento de rejeição tradicional associa-se um elemento moderno, de técnica biológica. Para além da alteridade que existe em toda a identidade racial, e pela qual “reconheço quem sou descobrindo quem é o outro”, o cerne da identidade.

 

Atendendo a estas considerações, o autor de “Os Homens do Führer” defende que Auschwitz é o resultado de uma determinada interpretação da teoria darwinista da modernidade, do conhecimento científico, da evolução das espécies. E que contradiz a noção de que o nazismo seria mais um “movimento espiritualista” em confronto com o materialismo.

 

“Auschwitz é o resultado de uma modernização do discurso das massas, de uma participação das massas na política. Auschwitz é o resultado da construção de projetos políticos, como o projeto político fascista, que inclui uma modernização da política. Não de uma política de minorias, de algumas elites, característica do século XIX, mas através da introdução das massas. A mobilização total é um elemento moderno”, sustenta.

 

Ferran Gallego acentua que os campos de extermínio apenas poderiam ser construídos por um Estado moderno, pela subtileza ou pela capacidade administrativa que exigem, ou pela ideologia que os sustenta.

“Digo sempre aos meus alunos que, caso pretendam ser historiadores, nunca poderão responder ao século XX se não tiverem uma resposta perante Auschwitz. Creio que Auschwitz é um ponto nuclear, um descodificador, uma contrassenha, uma palavra passe onde se entra para entender o que foi a modernidade europeia”.

 

Um sistema que nasceu da brutalidade, mas também da socialização e da camaradagem nas trincheiras da I Guerra Mundial. E que contradiz a mentalidade progressista então em voga, pela qual o “mundo moderno nascido o com Kant” seria incapaz de criar o fascismo. “E isso era assumido por qualquer progressista ilustrado, por qualquer social democrata do século XX”, advoga o historiador.

 

Um triunfo que desencadeia uma espiral incontrolável “É como uma bola de neve que vai aumentando, na qual a banalidade de aquele que esbofeteia um judeu se converte por fim naquele que abre as torneiras do gás”.

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