Quinzenalmente, um grupo de mulheres, na sua maioria imigrantes desempregadas e domésticas, reúne-se nos Açores para partilhar vivências, numa espécie de terapia de grupo onde as participantes deixam a rotina do lar e encontram uma “família do coração”.
“Isto é a família do coração. Não venho por obrigação. É muito gratificante saber que ajudo e vou ser ajudada”, contou à Lusa Julieta Tovela, 62 anos, natural de Moçambique e há mais de 30 nos Açores. Julieta Tovela integra o grupo de 15 mulheres, entre os 30 e 65 anos, que quinzenalmente se reúne, em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, no âmbito do projeto “Tu existes, Tu contas”, da Associação de Imigrantes nos Açores (AIPA). Por ali já passaram cerca de 30 imigrantes, dos Estados Unidos da América, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau ou Moçambique.
“O projeto surgiu em 2008, numa parceria entre a AIPA e a UMAR-Açores [União de Mulheres Alternativa e Resposta], numa altura em que se começou a verificar que a mulher imigrante, principalmente a desempregada e doméstica, se sentia isolada, dedicando-se apenas à sua vida, à lida doméstica”, explicou Marina Aguiar, técnica do Centro Local de Apoio à Integração do Imigrante, frisando que o objetivo é “facilitar a integração, quebrar este isolamento e criar laços reais de amizades”.
No encontro quinzenal, mulheres imigrantes e açorianas partilham a sua “cultura, receitas culinárias, músicas, danças, histórias e a língua do seu país”, acrescentou Marina Aguiar, revelando que o projeto “Tu existes, Tu contas” já vai na quarta edição. “Cada uma delas narra a sua história, o seu percurso migratório, mas trazem também pratos cozinhados típicos do seu país para que as colegas possam saborear e conhecer a sua gastronomia”, disse Marina Aguiar.
Julieta Tovela deixou Moçambique em 1975, acabando por fixar residência nos Açores. Já esteve desempregada, mas agora tenta conciliar as idas aos encontros com o trabalho, porque esta é também a sua família, com a qual desabafa. “Só fica deprimido quem quer”, considerou.
Natural da Guiné-Bissau, Filomena Correia está em São Miguel há um ano e neste “núcleo da família do coração” já fez “grandes amizades” que a ajudaram a superar várias dificuldades. “Uma pessoa exterioriza as suas mágoas. Fico grata por estas amizades. São duas horas de descontração”, confessou à Lusa a imigrante, salientando ainda que o encontro é “uma autêntica terapia”.
Susan Trubey, 67 anos, natural dos Estados Unidos da América, assume ser uma veterana no projeto, no qual conseguiu fazer novas amizades, envolver-se em atividades culturais e dar a conhecer as suas peças em ‘patchwork’ (trabalho manual com retalhos), mas planeia também dar aulas de Inglês. “Vim num momento da minha vida quando precisava de amigos, após a morte do meu marido. Todas nós precisamos falar. Vivo sozinha com os meus cães e gatos. São bons companheiros, mas não falam”, disse a imigrante, que chegou a São Miguel como “turista”, mas acabou por ficar nos Ginetes, concelho de Ponta Delgada.
O projeto “Tu existes, Tu contas” possibilita ainda visitas pela ilha, piqueniques, tardes interculturais e atividades para angariação de fundos. Já conta com um coro que está a planear uma viagem.
Lusa