O imposto extraordinário anunciado pelo primeiro-ministro é necessário face à derrapagem do défice, mas pode violar princípios constitucionais se for aplicado aos rendimentos do ano todo, devido à não retroactividade fiscal, defenderam especialistas ouvidos pela Agência Lusa.
Na quinta-feira, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, anunciou que o Executivo vai adotar, apenas este ano, um imposto extraordinário em sede de IRS equivalente a 50 por cento do subsídio de Natal, no excedente do salário mínimo nacional.
Segundo o primeiro-ministro, além dos rendimentos do trabalho, serão atingidos todos os rendimentos das pessoas singulares, entre os quais os de capital.
Para o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, que defende que “a baixa de impostos é igual a crescimento económico”, a medida só faz sentido face ao “descontrolo total do défice”, que pode deixar o país na bancarrota, e “para ganhar tempo para cortar a sério na despesa do Estado”.
Tiago Caiado Guerreiro acrescentou que a medida é “razoável” em termos de equidade e justiça porque abrange todo o tipo de rendimentos, e não apenas os do trabalho, mas considerou que “não é suficiente”, devendo ser acompanhada da” antecipação na tributação do automóvel, tabaco e provavelmente alterações nas escalões do IVA”.
Quanto ao facto de poder estar em causa a não retroactividade das normas fiscais, o fiscalista reconheceu que “há retroactividade e isso não devia ser admissível”.
“Infelizmente, nos últimos anos não temos tido um Tribunal Constitucional, temos um tribunal político que admite tudo e até a violação de princípios mais graves do que este, sem a justificação que este terá”, salientou Tiago Caiado Guerreiro, declarando que se trata de uma “medida extraordinária, que é quase de salvação nacional”.
O fiscalista Medina Carreira corroborou: “perante os números que o primeiro-ministro apresentou alguma coisa tinha de ser feita”.
Por isso mesmo, a eventual inconstitucionalidade da medida “não tem importância porque o dinheiro é preciso e terá de ser exigido seja de que forma for”.
O constitucionalista Paulo Otero explicou que a lei pode violar princípios constitucionais, dependendo da sua base de incidência: “se o rendimento for dividido por 14 meses haverá tributação retroactiva, porque o imposto é anunciado em Julho, e não poderia tomar em consideração rendimentos de 2011 anteriores à data da criação do imposto”.
Ou seja, de acordo com a Constituição, que proíbe a retroactividade, o imposto só poderia ser aplicado aos rendimentos do segundo semestre.
No caso de leis que envolvem retroactividade, o Presidente da República pode pedir a sua fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional (TC), antes da promulgação.
“Mas não tem sido assim”, destacou Paulo Otero.
“O Presidente da República, em vez de pedir a fiscalização preventiva, pede o que se designa como fiscalização sucessiva: nesse caso, o diploma já está promulgado e a produzir efeitos e quando o Tribunal se pronunciar poderemos já estar em 2011”.
Se assim for, mesmo que a norma seja considerada inconstitucional, o TC pode invocar razões de segurança, de equidade ou de excepcional interesse público para que os seus efeitos não sejam destruídos, “ou seja, quem pagou, pagou”.
Se fosse pedida a fiscalização preventiva, o TC teria de se pronunciar sobre lei e caso fosse declarada inconstitucional teria de ser vetada.
O constitucionalista adiantou, por outro lado, que falta conhecer detalhes desta medida, como, por exemplo, a base de incidência que será aplicada a situações que não sejam de trabalho dependente, como os recibos verdes.
A medida, segundo o Governo, será detalhada nas próximas duas semanas e permitirá ao Estado arrecadar uma receita adicional de 800 milhões de euros.