O estranho caso das passagens aéreas
Todos nós, açorianos, e não só, já nos questionámos acerca do elevado preço das passagens aéreas nos Açores. Já muito se escreveu sobre o assunto mas, com maior ou menor debate, a questão mantém-se: o preço a pagar pela insularidade tem sido muito alto e penalizador para quem é ilhéu. É assunto recorrente em colunas de opinião, em cafés, em campanhas eleitorais, no Parlamento Açoriano (ALRA)… contudo, tem sido de pouco proveito. Vejamos.
O Grupo SATA, melhor dizendo, a SATA SGPS (Sociedade Gestora de Participações Sociais, na gíria holding) é composta por cinco empresas: A SATA Internacional e a SATA Air Açores, como companhias aéreas; a Azores Express e a SATA Express, como operadores turísticos (o primeiro para ligações Açores-EUA; o segundo para ligações Açores/Continente-Canadá) e a SATA gestora dos aeródromos da Região Autónoma.
Ano após ano, tal como demonstram os Relatórios e Contas anualmente publicados (e disponíveis na página da internet da companhia), o volume de tráfego tem, globalmente, aumentado e os resultados líquidos têm acompanhado essa subida, embora 2008 e 2010 tenham sido anos de prejuízos.
Apesar destes anos negativos, o Grupo tem conseguido atingir um equilíbrio, com lucros em 2006 e 2007, na ordem dos de 5 milhões de euros por ano; em 2008, prejuízo de 3 milhões de euros; em 2009, lucro 1,6 milhões; em 2010, prejuízo de 3,5 milhões; e em 2011, lucro de 1 milhão de euros.
Sabendo que o Grupo SATA é detido a 100% pela Região Autónoma dos Açores (por enquanto, porque foi anunciado muito recentemente, e sem grande detalhe, a alienação de algumas participações sociais), importa perceber como é que estes resultados, globalmente positivos e satisfatórios, não se traduzem numa diminuição do valor das passagens aéreas inter-ilhas e destas para o Continente.
Apesar das tarifas promocionais e do que afirmou o Presidente do Grupo, António Menezes, em entrevista dada a um jornal da Região em 29 de Junho de 2011 (que houve uma “redução superior a 17% das tarifas aéreas decorrente da entrada em vigor, em Setembro de 2009, de novas Obrigações de Serviço Público”), a percepção geral é a de que se paga muito por uma passagem aérea quando a insularidade obriga a que a mobilidade de pessoas se faça, essencialmente, por avião. E, enquanto Região ultra-periférica, o normal seria dispor-se de condições mais acessíveis que promovessem essa mesma mobilidade.
Na verdade, uma passagem Açores – Lisboa, ida e volta, dificilmente (a não ser procurando as limitadíssimas tarifas promocionais) custará menos de 300 euros. É um preço razoável? Não me parece.
Haverá que entender qual a filosofia da SATA. Refiro-me ao Grupo SATA e não apenas à SATA Air Açores: se tem por missão assegurar as ligações entre as ilhas e o exterior, como resulta do seu espírito fundador; ou sem tem por propósito uma actividade puramente comercial, vocacionada para a procura do lucro, independentemente dos mercados onde se mova.
Tenho a opinião de que o caminho percorrido, erradamente, coincide com esta segunda visão, com prejuízo para a matriz original da empresa e com inevitáveis consequências para os açorianos.
Mesmo que se diga que o mercado inter-ilhas e as rotas para o Continente não são sustentáveis sem os actuais preços praticados e sem os subsídios governamentais (que representam menos de 5% do volume de receitas), a verdade é que estes prejuízos que encontraríamos na SATA Air Açores poderiam ser compensados pelas restantes empresas do grupo, em especial, pela “galinha de ovos de ouro” que é a SATA Internacional. Ou seja, o grupo SATA estaria vocacionado para potenciar o volume de actividade da SATA Air Açores, que seria alavancado através da redução das passagens aéreas para os açorianos (e não só) que se quisessem deslocar entre ilhas e destas para o Continente. Os prejuízos contabilísticos que resultariam desta opção/filosofia, seriam contrabalançados pelos resultados positivos das restantes empresas do grupo. O prejuízo da SATA Air Açores estaria coberto pelo lucro do Grupo SATA. Aumentar-se-ia a mobilidade interna e a coesão territorial mesmo que isso significasse uma diminuição relativa (embora, claro, com a devida ponderação) do “turismo externo” em razão da pressão para se atingirem maiores proveitos.
Em vez das tarifas promocionais, muito limitadas e condicionadoras, e que não têm oferta capaz de responder aos períodos de maior movimentação, como as férias (quando é maior o fluxo de residentes e de continentais que viajam – Natal, Páscoa ou Verão), seria mais vantajoso uma redução geral das tarifas aéreas durante todo o ano, ou que se fizesse uma discriminação positiva para os residentes (e – arrisco dizer – em particular, para os jovens – beneficiando as economias locais e regionais com o fluxo de gente que iria trazer). O que há é curto!
Este deverá ser, seguramente, um dos temas chave na próxima campanha eleitoral. A insatisfação das pessoas é grande e esta realidade atinge muitos açorianos que, perante esta situação difícil de explicar, estarão na expectativa em relação às soluções de cada partido político.
O CDS/PP tem conseguido capitalizar esta situação, denunciando, constantemente, o abuso praticado no preço das passagens aéreas. O PSD tem, pelo contrário, proferido intervenções a conta-gotas (a última, sugerindo a aplicação de um programa especial financiado pela União Europeia para o sector – um POSEI no transporte aéreo) sobre o assunto. Algo insuficiente, sabendo a relevância da matéria e a relevância que as pessoas dão à matéria.
Os Partidos já deveriam perceber que deixar as medidas-bandeiras para o período de campanha eleitoral é deixar ir-se na voragem mediática onde, muitas vezes, as ideias são colocadas para segundo plano. E ninguém lê programas eleitorais! Não se imagina que vá ser diferente agora. Não se convencem as pessoas com soundbytes e com poucos segundos de antena! É de suma importância que estas estejam já despertas para as ideias de cada um dos Partidos, em particular, de quem aspira a ser Governo.
Assistimos hoje a uma realidade bizarra. Vivemos em ilhas extraordinárias, com paisagens, tradições e culturas extraordinárias, mas estamos altamente condicionados pelo mar e ar que nos separam. Em vez de diminuir distâncias, a SATA (o transporte marítimo ficará para um próximo texto, porque esse é um tema que daria pano para mangas) tem feito do acto de viajar um comportamento de luxo, numa Região, recorde-se, que tem o quarto menor PIB per capita do País.
No filme The Curious Case of Benjamin Button, este personagem profere uma frase curiosa: “our lives are defined by opportunities, even the ones we miss”.
No nosso caso, a oportunidade que este ano se abre e o sentido crítico que se impõe a cada um de nós, tem de nos levar a reflectir sobre o tema, para que, dessa discusão, os Açores fiquem melhor servidos, com melhores transportes e mais coesão. Não sabemos quando melhores oportunidades virão.
Por: João Mendonça Gonçalves