Os utentes da Ribeira Grande, em São Miguel, da Terceira e do Faial estão a ser privilegiados pelo Serviço Regional de Saúde na reabilitação terapêutica e reeducação ao não terem necessidade de suportar custos iniciais de consultas e tratamentos em centros e clínicas privadas. Estes benefícios poderão chegar a todos os micaelenses através de contactos que a Açorclínica, hoje inaugurada, pretende estabelecer com os centros de saúde. Os mais prejudicados em todo este processo são os funcionários públicos açorianos que tenham ADSE.
António Raposo, médico especialista em fisiatra e medicina desportiva, inaugura hoje uma clínica privada no Paim, em Ponta Delgada, que está já a revolucionar a reabilitação e reeducação de doentes em São Miguel e a pôr a nu algumas discriminações a que está sujeira, actualmente, a esmagadora maioria dos utentes micaelenses que recorrem à reabilitação em relação aos da Ribeira Grande, Terceira e Faial.
Quem hoje entrar, pela primeira vez, nas instalações da Açorclínica, vai ficar impressionado com o espaço e, sobretudo, com os equipamentos e tecnologias de ponta – do topo em Portugal – que ficam à disposição de doentes das várias classes sociais desde que tenham as condições já disponibilizadas em outros locais do arquipélago.
Na Ribeira Grande, Terceira e Faial, acordos com os centros de saúde permitem que os utentes utilizem instalações de centros de reabilitação sem qualquer custo. Nos restantes concelhos da ilha de São Miguel, incluindo Ponta Delgada, enquanto não houver acordos entre os centros de saúde e os centros de reabilitação e clínicas privadas, são os doentes a suportar o custo da consulta inicial e tratamentos posteriores para, mais tarde, serem ressarcidos de 85 a 90% das despesas.
Ora, existem doentes de famílias mais carenciadas que têm dificuldade em fazer o investimento inicial da consulta (embora sejam reembolsados de uma forma rápida) não conseguindo suportar tratamentos prolongados. O facto é que, se os doentes tiverem de comparticipar 25% do custo, isso significa, para algumas pessoas, uma quantia elevada. A média dos tratamentos que a Açorclínica cobra é de 20 euros. Os doentes são reembolsados em 15,5 a 16 euros. Pagam, portanto, quatro euros por dia o que, ao fim do mês, representa 80 euros. E a verdade é que uma pessoa que viva de uma reforma de 250 euros, não pode dispor de 80 euros para fazer fisioterapia durante um mês.
Esta situação tem vindo a ser descrita ao proprietário da clínica, António Raposo. “É verdade, dizem-nos que, apesar da extrema necessidade de reabilitação, têm dificuldade em pagar. Em algumas situações, fazemos um desconto às famílias mais carenciadas, Mas isso também nos sobrecarrega porque o investimento na clínica é grande…”, palavras do médico.
Para ultrapassar esta situação, a Açorclínica está a preparar uma proposta que vai apresentar ao centro de saúde de Ponta Delgada com o objectivo de igualizar as condições de acesso aos serviços de reabilitação nos Açores. O objectivo, explica António Raposo, é que “nos aceitam como parceiros na prestação de cuidados de saúde integrados na rede regional”.
Por exemplo, o centro de reabilitação da Ribeira Grande, do médico Paulo Sampaio, tem um acordo com o centro de saúde do concelho. Negocia um preço e os doentes fazem a fisioterapia desde que sejam vistos por um médico fisiatra. E é o centro de saúde que comparticipa a clínica sem pagar nada. Uma realidade que também se verifica na Terceira e no Faial.
Em Ponta Delgada, a situação agrava-se por ser mais evidente a carência de médicos de família, o que “dificulta o acesso de um elevado número de pessoas aos cuidados de saúde”.
É por isso que “a nossa proposta poderá ter cabimento nesta fase difícil de economia para as famílias. Uma proposta no sentido de fazer chegar o doente à clínica privada de reabilitação através do centro de saúde. E não serem os doentes a suportar os custo inicial”, palavras de António Raposo.
ADSE : prejudicados
A situação de discriminação é também evidente para os funcionários públicos açorianos que usufruem do sistema de ADSE. No Continente português, as clínicas de fisioterapia e reabilitação têm convenções com a ADSE e os doentes só pagam uma taxa moderadora.
Nos Açores a ADSE ainda não estabeleceu qualquer acordo com os centros e clínicas de reabilitação. O que acontece, actualmente, é que os doentes fazem os pagamentos e são reembolsados com muito atraso pelo sistema de ADSE. E, pelo conhecimento de António Raposo, tal situação dificulta o tratamento dos doentes das classes sociais mais baixas.
“Já tenho falado com sindicalistas a dizer que esta é uma boa reivindicação para os funcionários da administração pública poderem ter acesso a este tipo de serviços como têm para análises clínicas”, afirma o médico.
Os funcionários públicos que tenham ADSE podem fazer análises clínicas em laboratórios privados na Região e só pagam uma taxa moderadora. E se esta situação fosse estendida à reabilitação, aliviaria, em muito, as famílias mais carenciadas que precisem de serviços de reabilitação.
Task force médica
António Raposo é fisiatra e especialista em medicina desportiva há quase 18 anos. Ao terminar a especialidade, prestou serviço no hospital da Horta e abriu um pequeno ginásio, o Hortafísio em sociedade com um fisioterapeuta que é o actual proprietário. Tinham um pequeno espaço de 80 metros quadrados e, hoje, a Açorclínica tem um espaço com 600 metros quadrados. O médico recorda-se que, no começo, o pequeno ginásio de recuperação tinha o equipamento mínimo para poder prestar cuidados de reabilitação, fisioterapia e terapia ocupacional. Quando saiu do Faial vendeu a sua quota na sociedade mas mantém clientes no Faial, Terceira, Pico e São Jorge.
Ao longo da sua carreira profissional manteve sempre um laço afectivo com a sua terra natural, o Nordeste, onde, como diz, ainda vai duas vezes por mês para consultadoria no hospital e consultas privadas e também duas vezes por mês para jogar futebol.
E o Nordeste também lhe retribui este carinho. Há doentes a residir no concelho que, em momentos de maior dificuldade, o procuram na clínica de Ponta Delgada onde se encontra quase todos os dias.
A Açorclínica iniciou a sua actividade em instalações na Clínica do Bom Jesus. As condições de espaço “não eram suficientes para o que necessita, hoje em dia, a reabilitação. Face a esta circunstância, António Raposo elaborou um projecto para alargar o espaço, melhorar a qualidade, com equipamentos de alta tecnologia, alargar a equipa e o tipo de serviços. Um investimento que se concretizou agora e que ultrapassa um milhão de euros.
Já tem uma equipa com médico fisiatra de medicina desportiva, uma enfermeira, seis fisioterapeutas a tempo inteiro, uma terapeuta da fala a tempo parcial, duas secretárias, duas ajudantes de reabilitação e uma funcionária de higiene e limpeza. À maneira que a clínica for crescendo, podendo chegar ao atendimento de 120 a 130 doentes por dia, serão contratados novos técnicos entre os vários que se encontram disponíveis no mercado.
Actualmente, são atendidos entre 60 a 70 doentes por dia (50 a 60% da sua capacidade) entre crianças com quatro a cinco anos de idade com paralisia cerebral (e outras doenças do foro neurológico) a idosos de 85 anos a fazer reeducação com a doença de Parkinson, que tiveram trombose ou, então, tiveram uma doença e ficaram acamados e têm dificuldades na sua mobilidade. Recorrem à clínica para um período de reeducação e esforço.
A Açorclínica dispõe de equipamentos com tecnologia e pessoal para intervir em todas as áreas da reabilitação, doentes de reumatologia, doentes de ortopedia, doentes de pneumologia, doentes com trombose, doentes com Machado Joseph. E ainda doentes de ortopedia, quer sejam de medicina desportiva, quer da área da traumatologia que fazem fracturas e que são operados.
Como a clínica tem espaço disponível, estão a alargar-se as áreas em que presta serviços, nomeadamente com um médico de ortopedia que é o Dr. Virgílio Paz Ferreira; a médica de medicina interna, Dr.ª Paula Macedo; e dois psicólogos, o Dr. João Pedro Porto e a Dr.ª Rita Valente.
Reabilitação no emprego e em casa
A empresa candidatou ao SIDER o projecto, aprovado em Janeiro, com apoios à aquisição do espaço físico da clínica, funcionário e uma valência externa que é ímpar em Portugal. Trata-se de uma carrinha de apoio ao domicílio para fisioterapia junto do local de trabalho e residência dos utentes, principalmente em freguesias mais distantes do concelho de Ponta Delgada como Sete Cidades e Mosteiros.
A carrinha vai funcionar como centro de fisioterapia ambulante, com todos os equipamentos necessários. É um espaço com cerca de 18 metros quadrados com um pequeno gabinete e equipamentos que funcionam a bateria.
Esta carrinha vai prestar serviços a eventos desportivos, como, por exemplo, à “Meia Maratona das Camélias”. É o terceiro ano consecutivo que a Açorclínica presta este serviço. Nos dois últimos anos o apoio foi dado numa tenda montada na meta. Este ano já será utilizada a carrinha enquanto espaço de prestação de serviços que também poderá estar activa em torneios de ténis e outras actividades desportivas, além de fazer inspecção médica a clubes.
Com a prestação de serviço da carrinha ao domicílio, a Açorclínica vai contratar mais um fisioterapeuta a tempo inteiro, passando o quadro de pessoal para 15 pessoas, 14 das quais a tempo inteiro. “Já é um movimento que a gestora nos diz que representa um encargo mensal com ordenados que é elevado”, afirma o médico.
“Estou muito satisfeito”
Presentemente, e como António Raposo é especialista em medicina desportiva, a clínica tem já em recuperação um grande número de atletas nas mais variadas modalidades: voleibol, basket, atletismo, futsal, futebol, entre outras.
Além de todos os equipamentos de alta tecnologia que vão surpreender hoje quem vai visitar a clínica, um nome é, em si, uma interrogação: “Ginásio neurológico”. E a resposta de António Raposo estava na ponta da língua. “Não é um ginásio para tratamentos de pessoas saudáveis mas, sim, para a reeducação e reabilitação dos doentes que têm doenças neurológicas. Por exemplo, os doentes que têm trombose é no ginásio que fazem a sua principal recuperação. Uma criança que tem uma paralisia cerebral, enquanto doença neurológica, é no ginásio que encontra os equipamentos para a reabilitação.
Desde o primeiro dia que a clínica abriu, há duas semanas, que o ginásio entrou em actividade. E que ginásio, diga-se…
Mas, O que vai mesmo dizer António Raposo na cerimónia de inauguração de hoje da Açorclínica? “Vou explicar para que serve a clínica, que valência é que tem e quais são os seus objectivos. Vou dizer que estou muito satisfeito com as instalações e por, aos 51 anos, poder dispor de um espaço com dignidade, equipado com alta tecnologia de ponta – o melhor que existe no país – para poder prestar serviços de qualidade nos Açores”.
in Correio dos Açores / João paz