Portugal tem mais de 10 mil tubos com espermatozoides, alguns congelados desde 1985 e sem respeitar os parâmetros serológicos entretanto definidos, pelo que não podem ser doados, afirmou hoje um especialista em medicina da reprodução.
Alberto Barros, do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) falava na Comissão Parlamentar de Saúde sobre a proposta de lei que altera a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), numa audição requerida pelo CDS-PP e pelo BE.
Segundo este especialista, que introduziu em Portugal a inseminação artificial com sémen de dador, em 1985, a existência de material genético criopreservado antes de 2006 (altura em que esta área foi alvo de legislação específica) “é um problema real, com o qual os diretores dos centros que o conservam se deparam”.
Alberto Barros recordou que 32 anos em ciência é muito tempo. “Quando comecei a criopreservar espermatozoides levava ovos de casa, que ajudavam no processo”, contou.
Com o aumento das técnicas de procriação medicamente assistida e a criopreservação de gâmetas de doentes que se sujeitavam a tratamentos oncológicos, os quais podem comprometer a sua capacidade reprodutora, aumentou a quantidade de material guardado.
Só no serviço de genética da Faculdade de Medicina do Porto existem 4.498 amostras de espermatozoides, afirmou, acrescentando que em todos os centros são mais de 10 mil os tubos de espermatozoides criopreservados.
Os diretores dos centros “têm medo dos processos judiciais” que os proprietários desse material possam acionar no caso da destruição, mas, por outro lado, também não respondem quando chamados a decidirem o destino a dar a este material.
Desde 2007/2008, altura em que o CNPMA definiu o consentimento informado, que o destino a dar aos gâmetas excedentários está definido. Contudo, sobre o material criopreservado anteriormente, ainda nada foi decidido.
Uma proposta de lei que está a ser debatida na especialidade pela Comissão Parlamentar da Saúde refere que os embriões, espermatozoides, ovócitos, tecido testicular e tecido ovárico que tenham sido congelados antes de 2006 podem vir a ser descongelados e eliminados se assim determinar o diretor do centro de procriação medicamente assistida.
Esta proposta de lei pretende evitar “a indesejável eternização da sua conservação, sem que os mesmos sejam utilizados ou reclamados pelos seus beneficiários” e propõe a conservação dos “espermatozoides, ovócitos, tecido testicular e tecido ovárico” por um prazo máximo de cinco anos. No caso dos embriões, esse prazo será de três anos.
O presidente do CNPMA, Eurico Reis, explicou que a diferença se deve ao facto de a expetativa de utilização dos embriões ser mais rápida do que a do restante material, que pode ser colhido em pessoas a partir dos 15 anos, por razões de saúde.
Sobre a hipótese deste material ser doado, Alberto Barros e Eurico Reis referiram que isso não poderá acontecer, porque antes da lei de 2006 os critérios serológicos, com vista ao despiste de várias doenças, não eram tão apertados como os atuais.
“Não queremos alargar os riscos de transmissão de doenças às novas crianças”, afirmou Eurico Reis, reconhecendo que, seja de que forma for, “terá sempre de haver decisões de destruição”.
A propósito desta proposta de lei, o presidente do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Jorge Soares, disse aos deputados que a eliminação simples do material colhido até 2006 não merece qualquer reserva deste organismo.
No entanto, em relação aos embriões, o CNECV defende que se tente contatar os seus proprietários, lembrando que, apesar de não existir, até 2006, um consentimento informado como o atual, as pessoas foram esclarecidas e deram a sua anuência para a recolha, pelo que devem ser contactadas, ou pelo menos existir uma tentativa nesse sentido.
“Deve ser cumprido o preceito de contactar os beneficiários ou doadores para saber qual a sua opinião”, disse Jorge Soares.
Lusa