Sábado passado, na sala de espetáculos mais bonita e aconchegante da ilha, o Teatro Angrense, foi tempo dos Myrica Faya celebrarem na cidade património um ano musical de grande qualidade. Uma temporada marcante, em que a formação terceirense se abriu ao mundo, dando a conhecer a forma carinhosa como, melodicamente bem orientados, os seus elementos decidiram tratar a música açoriana. A dias de terminadas as festividades que o verão faz crescer pela ilha lilás, este coletivo de bom gosto provou como acertadas as opções estéticas e artísticas de uma carreira ainda curta. Mas amplamente produtiva.
Depois de os ver em vários palcos e situações, é impossível não aplaudir as respostas dadas aos vários desafios auto-propostos. Afinal foi o próprio grupo a impor o ritmo de gravação e edição do seu “Vir’ó Balho”; a alinhar exibições sem nunca as deixar cair no corriqueiro e sem defraudar audiências; assim como subiu a parada ao convidar um sem-número de artistas firmados para o acompanhar no que os seus elementos mais gostam de fazer: Música. Pura e dura, com emoções e rigores, mas cientes de que a insularidade nos dá sempre mais apatia do que capacidade para evoluir. Vai daí, viraram mesmo o baile!
Do palco, de qualquer um deles – mas especialmente dos de melhor capacidade acústica e aos quais possamos aceder com conforto -, os Myrica Faya oferecem intensidade. Sobretudo intensidade. No quase-chorinho que dedicaram à Saudade, na viagem do Samacaio com GPS e novas tecnologias, numa Lira que virou as costas ao desgosto. Intensidade num arrojo simples, traçado em cima de um cancioneiro generoso e que permite quase tudo. É essa também a grande riqueza da música açoriana, a sua imensa versatilidade. Aliás, e para quem não é açoriano, cantar os seus temas, em reinterpretações que se saúdam, não deve ser nada fácil. E os Myrica Faya propuseram isso a muita gente, alargando a equipa, e dando lugar a mais bravos numa terra que é um palco…
Vai sendo fácil perceber, calmamente, e em cada atuação, que de facto é preciso apimentar a vida. Pelos séculos, a viagem de regresso das naus foi satisfazendo essa necessidade ao povo terceirense. E estes Myrica Faya foram direitos ao paradigma. Mesmo se pode ou não haver uma voz ideal para os temas açorianos. Mesmo se estes exigem imensos tons e volteares. Mesmo se encerram uma dolência que se faz beleza, mas que pode também ser alegria. Depois de virarem o baile, pede-se aos Myrica Faya que virem agora o terreiro. Ou mesmo todo o arraial. O caminho está aberto…
Por Miguel Sousa Azevedo
http://portodaspipas.blogs.sapo.pt/myrica-faya-virar-o-baile-1701178