Vinte anos depois do desmantelamento da base francesa das Flores, ouve-se apenas uma queixa, mas unânime, na ilha açoriana: nenhum investimento posterior compensou a saída dos militares e respetivas famílias, “a maior tragédia que aconteceu às Flores”.
Foi a 30 de junho de 1993 que foi desmantelada a base de telemedidas que a França teve durante quase 30 anos nas Flores. Cerca de 40 trabalhadores portugueses ficaram oficialmente no desemprego, mas muitos outros perderam o trabalho naquele dia, sobretudo mulheres que trabalhavam nas 25 casas do “bairro dos franceses”.
“Fazem-nos muita falta os franceses, muita falta mesmo”, diz Almerinda Manes, 54 anos, repetindo aquela que é a frase mais ouvida em Santa Cruz das Flores quando se pergunta pelos tempos da base.
A nostalgia é evidente em todos os relatos, sejam ou não de antigos trabalhadores. Todos lembram com saudade os salários mais de duas vezes superiores aos nacionais, o dinamismo do comércio e restaurantes locais, a chegada mensal do avião de abastecimento à base, as ‘soirées’ culturais e de gala na messe (ou hotel), as atividades no imenso ginásio, que albergava um campo de futebol, campos de ténis, tela de projeção de cinema, concertos ou até uma árvore de Natal gigante.
Almerinda trabalhou na casa de uma família francesa, o marido foi funcionário da base e o filho, agora com 34 anos, nasceu nas Flores, num parto assistido por médicos franceses. Hoje, como nos últimos 20 anos, não nascem crianças na ilha. E também deixou de haver análises, radiologista, dentista ou cirurgias. Tudo acabou com os franceses.
“Andámos 70% para trás em tudo”, diz Manuel, 78 anos, que trabalhou 19 com os franceses. “Foi a maior tragédia que aconteceu na ilha”, corrobora José Silva, 54 anos, que sublinha que hoje “a maior parte da população sai” porque, “tirando a Saúde e o ensino, não há oportunidades de trabalho”.
As Flores têm ainda hoje a única barragem dos Açores, construída pelos franceses. Tiveram eletricidade e estradas quando ainda não tinham chegado às “ilhas grandes” e a própria pista do aeroporto foi acelerada por causa da presença estrangeira na base. Tudo investimentos e desenvolvimento que acabariam por chegar, como chegaram a todas as ilhas açorianas, mas que as Flores conheceram muito mais cedo.
O acordo celebrado em 1993 entre França e Portugal, que ditou o fim da base das Flores, estipulou o pagamento de contrapartidas francesas para as Forças Armadas portuguesas e a região no valor de 500 mil contos anuais até 1997.
Os trabalhadores portugueses receberam indemnizações segundo a legislação portuguesa acrescidas de “bónus” negociados entre os dois Estados. À distância, nenhum se queixa dessas compensações e todos acabaram por se reintegrar no mercado de trabalho ou se reformaram. Um dos casos mais simbólicos é o de Rogério Medina, que de trabalhador no hotel passou a gerente, alugando o edifício ao Ministério da Defesa Nacional.
Quanto às casas onde viviam os militares e as famílias, a maioria foi vendida a particulares e algumas foram usadas por funcionários dos ministérios da Defesa e da Justiça destacados para as Flores. Hoje estão também à venda, diz à Lusa o presidente da Câmara de Santa Cruz das Flores, José Carlos Mendes.
“O património deixado pelos franceses está bem conservado e preservado. Na ótica da ilha é que se perdeu muito”, acrescenta, dizendo que havia com os franceses – uma comunidade que chegou a juntar 300 pessoas nas Flores, onde viviam cerca de 5.000 pessoas – “investimentos significativos que desapareceram” e “uma dinâmica económica e social que nunca foi compensada”.
O autarca, que em 1993 trabalhava na administração do centro de saúde local e assistiu ao desmantelamento dos equipamentos ali colocados pelos franceses, lamenta que as contrapartidas acordadas não tenham tido aplicação maior e direta na ilha, num investimento “específico para compensar aquela saída”.
A comparação com a Terceira é inevitável: José Carlos Mendes espera que aquilo que aconteceu nas Flores sirva de exemplo e haja outra “sensibilidade” nas negociações para as Lajes. Em 1993, “o Governo da República não olhou para as Flores”, considera.
O autarca dá um exemplo: uma das “reivindicações da ilha” era que o património, sobretudo as casas dos militares, fossem passadas para a tutela da região, de forma a serem usadas por instituições ou entidades que delas necessitassem, mas o Governo central preferiu “rentabilizar” e “só não vendeu aquilo que não conseguiu”, ou seja, o hotel dos franceses e o mítico ginásio, que já foi usado para celebrações religiosas, quando a igreja de Santa Cruz esteve em obras, e agora está fechado.
Lusa