Passaram 35 anos e alguns dias sobre o terramoto de 1980. 1 de janeiro, o dia do Sismo. Pelas 15horas e 42 minutos, a terra tremeu brutalmente. Terceira, Graciosa e São Jorge sentiram o abalo, com epicentro a 35 quilómetros de Angra do Heroísmo e uma intensidade de 7,2 na escala de Richter. A cidade, hoje património mundial, ruiu no ronco da terra. Cerca de 80% das suas casas não resistiu à força da natureza. Uma força que ninguém entendeu. Era o primeiro dia do ano, tinha havido Natal, tinha havido festa. Mas umas horas depois davam-se graças a Deus pela plena tarde do sucedido, onde mesmo assim 73 pessoas perderam a vida, e cerca de 20 mil ficaram sem teto.
Ter vivido aqueles segundos, que se transformaram em dias e anos, marcou estas gentes. De forma distante, ainda hoje se reage, se conta, se ensina e se sofre à conta daquele primeiro de janeiro. As horas que se seguiram ao abalo estão claras nas memórias. Havia um silêncio aterrador. A qualquer momento podiam surgir réplicas. Mais mansas, mas a deixar as almas em polvorosa, a fazer rodar os dedos nas contas dos terços, e também a mostrar uma solidariedade de amor. As pessoas ajudavam-se e sentia-se o medo reinante.
Tenho imagens tão nítidas de tudo que se passou, que quase duvido ainda não ter cinco anos quando a terra tremeu. Nesta ilha de Jesus, nesta paz no meio do mar, neste rochedo que foi então de sofrimento e temores. E os interiores das casas pareciam todos feitos de papelão. Tinham sido simplesmente cuspidos para as ruas. As torres das igrejas pereceram. Apenas a fé não desabou.
Passado todo este tempo, que foi quase nenhum, vem-me à ideia uma canção: Terra mãe de assombrações. Um tema lindíssimo, do Zeca Medeiros, ligado para sempre à voz da Susana Coelho. Entre notas e palavras, e “do ventre deste sobressalto”, percorre-se “este sismo que me faz cismar”. E foi isso mesmo, como diz a canção. Foi um sismo. Enorme e autêntico, tão verdadeiro e duro. Que nos fez cismar. Para as nossas vidas. Mesmo se tanta coisa boa surgiu depois de abalada a lava dos nossos corações. Ainda assim…nunca mais fomos os mesmos.
Miguel Sousa Azevedo – http://portodaspipas.blogs.sapo.pt/
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