A verdade é esta: quem quer Presidente quer cão. E não me venham agora as más-línguas com segundos sentidos, que eu sou pessoa séria: não me lembro de nenhum presidente dos States – e já lá vão uns quantos desde que tenho lembrança – que não se tenha exibido, num jeito meio patusco, meio imperial, com o seu cãozinho de estimação ao colo. E confesso, com um embargo na voz e uns tremeliques nos olhos, que provavelmente a mais ternurenta recordação que guardarei da passagem de George W. Bush pelos relvados da Casa Branca – será a de ver o homem mais poderoso do planeta, que derrotou Sadam e só por despeito é que não acabou com Bin Laden, a sair de um helicóptero com o seu luluzinho debaixo de um braço e acenando com o outro às câmaras das televisões.
Ora, como os americanos são gente de rituais e tradições (pelo que é de louvar que a Senhora Cônsul norte-americana cá nos Açores faça questão de comemorar o Four July oferecendo ao nosso povo uma refeição da autêntica cozinha tradicional americana – hambúrgueres com batata frita e ketchup), nunca suportariam terem um presidente sem cão para exibir – pelo que lá foram fazendo pressão para que Barack Obama, que até agora não foi homem de ter cão, saltasse das suas tamanquinhas e arranjasse um.
A pressão pelos vistos foi tanta, que o Presidente eleito, a custo, lá acabaria por dizer que sim, mas pondo como condição que fosse “um rafeiro como ele” (e aqui eu limito-me a repetir, com uma ligeira adaptação dos pronomes, as palavras que ouvi da sua boca). Não sei o que entretanto se terá passado, mas alguém deve ter posto o novel Presidente na ordem – e a verdade é que, como eu próprio também ouvi da sua mesmíssima boca, ele deixou cair aquela ideia do rafeiro e colocou a hipótese de optar por um belo animal que, para além das virtudes que experientes veterinários se apressaram a engrezar, apresenta no seu currículo a maior nobreza de todas: a de ser Português, ou melhor, de ascendência portuguesa. Referia-se Obama a um “portuguese water dog” ou, na língua de Almeida Garrett, a um Cão d’Água português, em alternativa a um Labrador.
É verdade que nós, açorianos, teremos bastas razões para olhar com algumas reservas para esta opção presidencial: porquê a escolha de um cão algarvio, e não antes de um açoriano – por exemplo, um Fila de São Miguel ou um Barbado da Terceira?!
Mas, minhas senhoras e meus senhores, vós que há mais de quatrocentas semanas tão avidamente me dais o bálsamo do vosso tempo e da vossa leitura, não desespereis: seja qual for a opção canina do Presidente Obama, e porque ele garantiu que a dúvida estaria entre um Labrador e um Cão d’Água, uma certeza já cá canta: há-de ser sempre um animal de ascendência portuguesa.
Pois, como se sabe, a Península do Labrador, no Canadá, de onde é originário o cão que disputará ao Cão d’Água as graças de Obama, deve o seu nome ao seu descobridor – o nosso conterrâneo João Fernandes Lavrador. Pelo que não tarda muito e cá teremos uma excelente razão para uma boa festança na Praça Velha: festejaremos a vitória portuguesa, se a escolha for o Cão d’Água; e a vitória açoriana, se for o Lavrador.
E confesso que até fico de boca seca só de pensar que em breve, pela primeira vez na História – e garanto-vos que isto é apenas um começo! –, correrá sangue português nas veias da Casa Branca… Porém, não deixo de sentir alguma tristeza ao aperceber-me do anti-clímax de tamanha glória: é que nunca vi, no Palácio de Belém, o nosso Presidente trazendo pela trela um bom cão português. Em contrapartida, o que por lá vejo, a vaguear molemente pelos antigos jardins reais, são uns tristes pavões que, tanto quanto sei, nunca ninguém relacionará com a condição de ser Português.
In diarioInsular online/ Luís Fagundes Duarte