O endocrinologista Rui César defende que a obesidade nos Açores é também causada por factores genéticos, que deverão estar directamente relacionados com a colonização do Arquipélago.
“Em seis meses, recupera-se o que se levou anos a perder. O problema é que as pessoas não aguentam muito tempo as privações”, refere Rui César, adiantando que as pessoas não têm “noção do que o nosso organismo é capaz de fazer. Consegue viver com mínimos”. Para comprovar, o endocrinologista recua um pouco no tempo. “A obesidade é uma doença de ordem genética. Provavelmente quem nos colonizou foram pessoas com grandes dificuldades e que, como se adaptaram a grandes fomes, habituaram-se a viver com pouco”, acrescentando, em exclusivo a este jornal, que, provavelmente, “quando chegou a fase da abundância, armazenaram o mais que puderam”. Contudo, de acordo com o especialista, “o ser humano dá-se mal com a abundância, uma vez que como não sabe o que vem a seguir, armazena tudo, aumentando a predisposição para aumentar de peso rapidamente”.
“As pessoas não herdam as doenças mas sim as tendências, de modo que o aumento de peso depende dos comportamentos. Se as pessoas forem cuidadosas na alimentação e tiverem uma vida menos sedentária do que a que têm, as coisas seriam diferentes”. Contudo, considera que para tal também devem ser criadas condições para combater o sedentarismo da população. “É preciso pre-dispôr as pessoas, motivá-las e dar-lhes possibilidades de não serem tão sedentárias”. E aponta como exemplos a melhoria das ruas, “que sejam menos complicadas a atravessar”, e melhores passeios, mais espaços verdes e mais segurança. Todos estes aspectos motivam mais as pessoas a movimentarem-se. “A alteração de hábitos é importante e as pessoas devem ser motivadas para tal”.
E as consequências do excesso de peso são muito graves, desde hipertensão arterial, à dislipidemia (gordura em excesso no sangue), doença vascular, às osteoartroses, à doença biliar… Contudo, na Região a consequência mais grave, e onde a prevalência é, mais uma vez, maior do que em Portugal continental, é a diabetes tipo 2. “É também impressionante o facto da prevalência da diabetes tipo 2 no Continente ser maior no homem do que na mulher, tendência contrária na Região. Provavelmente tem a ver com a tal condicionante de quem colonizou estas ilhas há 500 anos”. No entanto, para o endocrinologista, “o maior risco nem tem a ver com o IMC, mas sim com a cintura”, ou seja, “as pessoas podem ter obesidade de grau I e ter menor risco do que indivíduos com excesso de peso e uma barriguinha grande.
Aquilo que chamavam de Curvinha de Bem-Estar, de bem não tem nada”. Estas pessoas estão mais pré-dispostas a tromboses e enfartes com maior facilidade. Assim, as mulheres com mais de 80 cms de cintura já estão em risco, enquanto que os homens com uma cintura com mais de 94 cms se encontram também em risco e acima de 102, em alto risco. “Se fossemos classificar a obesidade pela medida da cintura, seria muito pior”.
Dietas milagrosas são uma mentira
“Fazer dietas não serve de nada. As pessoas não devem pensar a curto prazo, mas sim para o resto da vida, porque quando perdem 20 ou 30 quilos, e chegam à meta que idealizaram pensam que podem voltar a fazer o que faziam”. Resultado: recuperam o peso perdido muito mais depressa. O endocrinologista aponta também o dedo às chamadas dietas milagrosas, que deviam ser alvo de atenção do Estado. “São uma mentira, altamente prejudiciais e que continuam a ser publicitadas e a serem passadas como milagreiras. O Estado tem de disciplinar uma mentira quando esta é demasiado descarada”. Contudo, tem consciência de que “as pressões são grandes e os lobbies que apoiam a indústria alimentar e das dietas é muito poderoso. É uma luta permanente, mas muito difícil”.
Bruno Sarmento Melo / (in Expresso das Nove)