“Os centros de decisão estão a deixar os Açores”

monteiro-da-silvaEm entrevista ao programa “Conversa Fiada”, da Rádio Açores/TSF, Monteiro da Silva analisa o actual estado da economia açoriana, onde defende o papel do Governo Regional, fala da sua saída da EDA, critica a falta de entendimento na gestão da água nos Açores e a venda de parte da Globaleda .

 

Monteiro da Silva, licenciado em Economia, é actualmente juiz-conselheiro do Tribunal de Contas. Foi antigo presidente da Associação para a Promoção do Investimento dos Açores (APIA), da EDA e das câmaras do Comércio e Indústria dos Açores e de Ponta Delgada. É também professor da Universidade dos Açores, onde foi director do Departamento de Economia e Gestão.

 

 

 

No contexto actual de crise internacional, os Açores deveriam, na sua opinião, fazer uma pausa para reflectir e pensar no modelo de desenvolvimento a seguir no futuro? 

Estamos sempre a tempo de o fazer, embora hoje seja cada vez mais difícil, quando se julga já saber tudo e ter sempre uma solução na manga. Mas é evidente que estamos hoje numa economia muito artificializada em relação ao passado, onde tínhamos uma economia isolada, mas também mais “real”… No passado, tínhamos de encontrar localmente soluções para todas as nossas necessidades, agrícolas e industriais. Hoje, o avião e o barco trazem tudo o que for necessário, logo que haja dinheiro, e a nossa integração europeia cria condições para financiar esse tipo de sociedade.

 

Mas temos sabido utilizar bem esses fundos comunitários?

É muito difícil encontrar uma solução para a boa utilização dos fundos comunitários. Teremos coisas a aprender com os outros noutras ilhas e há soluções que não passam necessariamente pela criação de “offshores” ou por modelos de turismo de massas. Nos departamentos ultramarinos franceses, temos a ilha de São Bartolomeu, com apenas oito mil habitantes, onde o aeroporto não permite a aterragem de aviões de grande porte e onde, mesmo assim, o imobiliário é caríssimo, os hotéis são muito caros e só pessoas com muito dinheiro lá vão… Nas nossas ilhas mais pequenas, talvez tivéssemos muito a aprender com essa ilha.

 

Vejo que não está muito de acordo com o modelo de desenvolvimento turístico seguido nos Açores…

Ao contrário da Madeira, nos Açores não tínhamos experiência quase nenhuma no turismo e o próprio presidente do Governo anterior – Mota Amaral – era um pouco avesso a modelos de desenvolvimento de natureza turística. Se falarmos da ilha de São Miguel, penso que o trabalho está bem feito, mas este não é um modelo para as ilhas mais pequenas. Nessas ilhas, o modelo terá de passar pela utilização dos recursos naturais, orientando a resposta para segmentos de mercado, que são muito pequenos, é verdade, mas que podem pagar muito bem proporcionando soluções turísticas diferentes.

 

Foi presidente durante alguns anos da EDA e os Açores têm sido pioneiros na área das energias alternativas. Como avalia o esforço que tem sido feito nessa área, desde que saiu da empresa em 2005?

Sempre apostei muito nas energias renováveis, porque dado o custo elevadíssimo que tem o transporte e o armazenamento de combustíveis, nos Açores, as soluções renováveis, ao contrário de outras partes do mundo, são economicamente mais eficientes, além de serem potencialmente criadoras de emprego. Gostaria de ver até mais aceleração neste processo das renováveis, sobretudo nos projectos que passem pelo aproveitamento da energia geotérmica para a produção de energia hidroeléctrica.

 

Fiz muitos esforços, sem sucesso, para tentar encontrar soluções de compromisso entre o sector da água e o sector da energia eléctrica. Na Terceira, não deixa de ser lamentável os problemas de falta de água, quando um dos problemas está precisamente no facto da captação de água e do seu aproveitamento energético serem feitos de costas voltadas uns para os outros. Na altura, falei com o presidente da Câmara de Angra, hoje vice-presidente do Governo (Sérgio Ávila), bem como com quem lhe sucedeu, mas também nas Lajes do Pico e na Ribeira Grande, tendo em vista a utilização comum das bacias hídricas, quer para aproveitamento energético, quer para aproveitamento da água. Em Angra, por exemplo, temos uma central hídrica que termina no jardim da cidade e essa água é desperdiçada, indo directamente para o mar… Não íamos só com isso resolver o problema da falta de água em Angra, porque essa central trabalha sobretudo de Inverno, mas era fundamental trabalhar em conjunto, porque a montante onde, quer a EDA, quer os Serviços Municipalizados de Angra vão buscar a água, poderia ser feito um trabalho conjunto no sentido de um aproveitamento mais racional da água. Um trabalho integrado no aproveitamento das bacias hídricas em todas ilhas é fundamental. Em Vila Franca, por exemplo, estivemos muito próximos de lançar um projecto conjunto na zona de Água d’Alto, mas depois a pressa em arranjar água para consumo não criou condições para esse projecto conjunto.

 

E em relação ao empreendedorismo, acha que os Açores podem vir a dotar-se, por aí, das defesas necessárias para enfrentar o futuro?

Nesse aspecto não há nada como irmos à História e aprender com o que os outros já fizeram… Nesta fase, o empreendedorismo deve vir sobretudo das empresas regionais credíveis e do Governo Regional, que devia utilizar até as participações que tem nalgumas empresas, como a EDA ou a SATA, para agir. Por exemplo, nos oito anos em que estive na EDA, fiz questão – depois de ‘arrumar a casa’ – de todos os ano lançar um empreendimento juntando os quadros com mais garra e com maiores condições para lançar um projecto e punha-os a trabalhar sozinhos. A Globaleda, que hoje tem 100 pessoas, iniciou-se num ‘vão de escada’ atrás de uma loja da EDA e com o desprezo de praticamente todos os engenheiros da empresa, que achavam que aquilo não ia resultar. Depois da minha saída, a empresa foi dividida, o que para mim foi um erro estratégico, porque a empresa criou postos de trabalho e trouxe para os Açores uma área em que não havia praticamente ninguém. Mas criámos também uma empresa para a área da manutenção eléctrica e mecânica – a SEGMA – também orientada para pessoal especializado. O último negócio que fiz foi comprar as acções necessárias para que a Norma também ficasse no grupo, com a ideia de a transformar num “think thank” (grupo de reflexão)…

 

Ficou triste com a venda de parte da Globaleda?

Fiquei porque, no meu entender, era importante agarrar na Globaleda como empresa capaz de desenvolver novos negócios. Temos hoje um problema nos Açores com parte do sector financeiro, porque os centros de decisão estão a deixar os Açores e com a saída dos centros de decisão, saem também as condições para fixar aqui emprego de qualidade.

 

Mas como se evita essa saída?

Acho que o sector público aqui tem muita importância. Nós passamos a vida a dizer mal do Governo e da importância do Estado, mas em territórios pequenos como o nosso, é fundamental que seja o sector público a ajudar a sociedade civil, que é muito fraca – e à qual às vezes nem os grupos económicos resistem… Por isso, temos de ter algum cuidado. É importante que haja aqui alguma capacidade de criar condições para que os grupos privados regionais tenham capacidade de se afirmar.

 

Quando deixou a EDA em 2005, “saiu com vontade de ficar”?

Acima de tudo, saí com vontade de desenvolver um projecto que considero ter ficado interrompido e que passava por tornar os Açores auto-sustentáveis do ponto de vista energético, pois estou convencido que os Açores têm condições para isso, apostando nas energias renováveis.

 

E hoje em dia já sabe porque não continuou na EDA?

 

Quando entramos para funções públicas, temos de ter o desprendimento para que, quando achem que a nossa missão terminou, claramente também desligarmo-nos dos projectos e foi isso que eu fiz, partindo para outra…*

 

 

 

Paulo Simões / Rui Jorge Cabral (in AOriental)

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