A coisa é crónica: no rescaldo de cada acto eleitoral, a ‘inteligência’ dominante desdobra-se em análises piedosas sobre os níveis escandalosos da abstenção. Fazem-se, então, juras e promessas de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma e aguarda-se, expectante, que da próxima vez, tudo seja diferente. Não é ou, pelo menos, não tem sido. Face a este quadro, joga-se a cartada final, como o fez, recentemente, o Presidente do Governo Regional, Carlos César: torne-se o voto obrigatório, em nome da democracia! Era só mesmo o que nos faltava…porque, em coerência, teríamos que ter uma punição para quem não cumpre aquilo a que está obrigado, tipo uma multa pesadota, já que trabalho comunitário deve estar fora de questão. Assim, por exemplo, os(as) reformados(as), os(as) estudantes deslocados(as), os(as) bolseiros(as), os(as) desempregados(as), os(as) precários(as), as domésticas e até os(as) sem-abrigo pagariam do seu recheado bolso a multa correspondente à falta às urnas. Alguém conseguirá imaginar melhor maneira de os fazer amar a democracia e os múltiplos deveres que ela implica?! Eu consigo e, por mais modesto que seja este contributo, tenho a obrigação cívica de o dar. Comecemos por falar verdade, política e partidariamente, em vez de negarmos a evidência da crise económica, num dia (não por acaso, antes das eleições de Outubro) para, dois dias depois deste acto eleitoral, nos compungirmos com os sinais inegáveis da mesma, em solo açoriano. Defendamos, com determinação, o bem comum e os direitos das pessoas, em vez de ‘engordarmos’ algumas empresas públicas (com o dinheiro de todos/as) para as entregarmos, alegre e inevitavelmente, aos interesses privados…assim que eles recuperem a certeza de que o negócio só pode dar lucro, na SATA, ou em qualquer outro serviço. Não limpemos as mãos daquilo que se passa, nos Açores, pela calada da noite ou do dia, sob o pretexto de que a ilegalidade reinante é um problema da República e um segredo de Estado inconfessável, mesmo que seja numa base aérea portuguesa ‘explorada’ pelos americanos. Cumpramos as promessas eleitorais, em vez de nos agarrarmos a todos os pretextos para as transformar em meros expedientes de oportunismo político. Referendar o Tratado de Lisboa era uma delas. Lutar, por todas as formas ao nosso alcance, pela manutenção e sustentabilidade da nossa ZEE era outra. Vergonhosamente, nenhuma foi cumprida, nem nos Açores, nem na República. É pouco? Mesmo assim a abstenção cresceria? Só há uma maneira de o sabermos e convém que comecemos já…em nome da democracia!
Zuraida Soares