A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) considerou hoje que “não é admissível” existir uma utilização “genérica” do sistema de videovigilância para proteger o espaço marítimo, como proposto pelo Governo dos Açores.
“Num Estado de direito democrático não é admissível a mera previsão genérica de utilização de sistemas de videovigilância, em especial com recurso a tecnologias que potenciam os seus efeitos, sem a especificação clara dos espaços públicos a abranger e sem a especificação de condições e limites e critérios”, lê-se no parecer da comissão, consultado pela agência Lusa.
A CNPD foi chamada a pronunciar-se sobre a anteproposta de lei do Governo dos Açores, que pretende alargar as finalidades dos sistema de videovigilância, para incluir os objetivos de “proteção e conservação do meio marinho e preservação e recuperação de recursos vivos marinhos”.
Segundo o parecer da comissão, a iniciativa “significa um alargamento da restrição dos direitos, liberdades e garantias” dos cidadãos, “em especial dos direitos à reserva da vida privada e familiar” e da “proteção de dados pessoais”.
“A regulação desta extensão [da lei de videovigilância] ou a intensificação da ingerência nestes direitos fundamentais não pode deixar de ser acompanhada da definição de um regime jurídico capaz de dar previsibilidades àquelas restrições”, defende.
Realçando que “não pretende diminuir” a importância da proteção marinha, a CNDP alerta que a anteproposta “não contém normas especificas suficientemente densificadas” e “claras” quanto à utilização da videovigilância com aquele objetivo.
Para a comissão, “não é claro” se a regulação proposta pelos Açores “implica a captação de área terrestre da costa portuguesa”, onde se localizam as zonas balneares, espaços onde se “afirma com especial pertinência o direito a estar anónimo”.
“A instalação do sistema de videovigilância na zona costeira, abrangendo praias ou outros espaços públicos (…), representa uma ingerência de tal modo intensa no direito à reserva da privada e familiar que apenas circunstâncias especiais e excecionais devem justificar a sua admissibilidade”, alerta.
Por isso, a CNPD recomenda a proibição da captação e gravação de imagens e sons nas zonas balneares e a definição de um regime jurídico “específico para a utilização de drones (aeronaves não tripuladas) nas várias faixas marítimas com exclusão da zona costeira”.
A comissão conclui considerando que a anteproposta “não especifica as circunstâncias” em que pode ser utilizada a videovigilância para a proteção do espaço marítimo, considerando “essencial delimitar as condições” previstas na iniciativa.
A 22 de junho 2022, o Governo dos Açores (PSD/CDS-PP/PPM) anunciou que iria apresentar uma anteproposta de lei para permitir a utilização de imagens de câmaras de vigilância instaladas em zonas marinhas protegidas como prova em processos judiciais.
“Temos preparada uma proposta de anteproposta de lei para alteração da referida lei [95/2021] por forma a permitir a utilização das imagens recolhidas pelas câmaras de vigilância em causa e dos registos vídeo para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, respetivamente nas fases de levantamento de auto, inquérito, instrução e julgamento ou nas fases administrativa e de recurso judicial”, adiantou o titular da pasta do Mar nos Açores, Manuel São João.
A anteproposta está a ser analisada pela comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Regional.
Lusa