As eleições de dia 14 de Outubro tiveram um resultado claro e que não merecem grandes comentários adicionais. Contudo, e porque se volta à política, importa deixar algumas notas.
André Rodrigues, um jovem arquitecto de 28 anos, teve a coragem de encabeçar e ser eleito pela lista do PS da ilha de São Jorge. Não se sabe se ficará muito tempo, ou se tentará migrar para a Câmara de Velas (renunciando ao mandato de deputado para se candidatar, ou mantendo o lugar na Horta?), mas a verdade é que não parece estar em grande consonância com o Governo Regional. Ora, a propósito do Programa de Governo para 2012-2016, diz André Rodrigues que “para um contexto de sustentabilidade financeira dos Açores, é essencial vencer três grandes desafios nesta legislatura: a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, a definição do próximo Quadro Comunitário de Apoio de 2014/2020 e a manutenção da atual estrutura de repartição de encargos e responsabilidades entre a Administração Central e a Administração Regional”
Rodrigues esquece-se que a Lei de Finanças Regionais não depende da Assembleia Legislativa Regional de que é membro. Essa é uma competência da Assembleia da República que tem maioria PSD/CDS. Se essa é uma prioridade dos parlamentares socialistas, então, está condenada ao fracasso. Até Carlos César, em Março do presente ano, veio felicitar a não revisão de tão importante Lei. Estranhas contradições.
Em segundo, a gestão dos fundos comunitários depende não do Governo e da Assembleia Regional (embora possam participar da discussão), mas do Governo da República. O deputado socialista reconhece isso, mas estranha-se que coloque como prioridade um assunto que não cabe na sua alçada.
Terceiro, a repartição de encargos já é feita à luz dos instrumentos que existem. Do Estatuto Político-Administrativo, da citada Lei, e de outros mecanismos que têm mais carácter nacional que regional. Depende, por isso, mais da vontade da República e não da vontade regional.
Esta estranha obsessão em querer retomar e reformar o Estatuto Político-Administrativo não tem cabimento. O Estatuto foi alterado (bem ou mal, não se discute isso aqui) na última legislatura (que tinha maioria PS na Região e contava com amplo consenso na Assembleia República). Não foi criada, sequer, jurisprudência sobre o assunto. E muitos dos intrumentos jurídicos ao dispor da autonomia nem estão a ser aproveitados pelos órgãos regionais. Porque é que se quer voltar a mudar? Estas tiradas, de pendor orgulhosamente autonómico não passam de palavras ocas.
Deverão ser outras as preocupações dos representantes açorianos. Todos queremos crescimento, competitividade e emprego. Deixemo-nos de lugares comuns. O ponto resume-se à definição de prioridades e alocação de recursos.
Curioso é que no Programa de Governo dos Açores, (250 páginas de pura poesia atlântica) surja apenas uma referência à ilha de São Jorge. Melhor que Calheta e Velas, que são totalmente omitidas no documento (tal como têm sido apagadas do mapa pela classe política de São Jorge.)
Até nisto há desertificação. Talvez, quem sabe, por culpa do dicionário do WORD que não reconhece 9, mas sim 1, 2 ou 3 ilhas nos Açores (e não será o único…). Se, num extenso programa de governo, uma de nove ilhas aparece apenas uma vez referida está tudo dito quanto ao seu peso no panorama regional. E quanto ao peso dos seus políticos no panorama regional.
Esse é um aspecto que desde há algum tempo me tem suscitado alguma inquietação e que, de certa forma, surge relacionado com uma promessa do PSD, de Duarte Freitas, em reduzir o número de deputados.
As ilhas com menor população têm, proporcionalmente, menos deputados, assegurando-se, contudo, sempre a presença de 2 sob pena do Corvo não ficar representado. A questão reside na proporcionalidade.
A esse nível, o que sucede é que ilhas populosas, como São Miguel e Terceira, concentram a maioria (19 e 10, respectivamente) dos 52 deputados. Sem contar com os 5 que poderão ser eleitos por qualquer ilha (embora tradicionalmente reforcem esses 29). Tal significa que um deputado de uma ilha pequena, como São Jorge (elege 4) , Graciosa (3) ou Flores (3), tem de trabalhar o dobro ou o triplo para conseguir responder aos anseios da população. E a realidade mostra-nos que os deputados de ilhas pequenas têm de lutar não só contra o centralismo do governo regional, mas também contra o centralismo do próprio aparelho partidário. Migalhas para uns são milhões para outros. E é nessa luta de formiga que se faz a política regional.
Se não é pelo número, tem de ser pela qualidade. E são escassos, em comparação com ilhas maiores, os recursos humanos qualificados técnica e politicamente para exercerem funções públicas.
A escola da vida é importante. Sempre foi. Mas hoje colocam-se também outras exigências. Quem não está atento ao que se passa, por exemplo, na Europa, dificilmente poderá explicar porque é que os fundos comunitários vão terminar. Quem não compreende o que é um défice ou uma dívida pública, dificilmente compreenderá os cortes na despesa e a situação de aperto que vivemos hoje. E assim por diante.
O que falta na sociedade, falta na política. Faltam-nos pessoas qualificadas, inteligentes, interessadas e intelecualmente honestas. Falta até algum desprendimento, alguma independência pessoal e económica e maior sentido crítico em relação à corrupção moral. Até para elevar o debate político e deixar de o remeter para os cafés onde impera a politicazinha barata e paroquial.
São Jorge tem sofrido com a falta de quadros. As elites (seja lá o que isso for) são poucas ou inexistentes. E assim, lutar contra os doutores das ilhas grandes, torna-se muitíssimo mais difícil. Se não é pelo prestígio pessoal, fundado em créditos profissionais ou académicos (sem desprimor para o conhecimento da vida em sociedade), não afirmamos a nossa voz. Porque elas são poucas, porque estão a diminuir e porque ninguém com autoridade parece realmente estar inquietado com isso.
João Mendonça Gonçalves
Mestrando na Universidade Católica Portuguesa