A leitura da decisão instrutória do processo Operação Marquês, que decorreu durante mais de três horas no Campus da Justiça, em Lisboa, marcou o final da fase de instrução que começou em 28 de janeiro de 2019, num processo que cuja investigação se iniciou em 2013.
O juiz Ivo Rosa sumarizou a decisão, deixando diversas críticas à acusação do Ministério Público, liderada pelo procurador Rosário Teixeira. Durante a leitura, várias foram as vezes que Ivo Rosa considerou que a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) mostrava “falta de coerência”, era uma “mera especulação”, uma fantasia e apresentava uma “total falta de razoabilidade nos argumentos, sem apontar factos concretos
Em concreto, entre os 28 arguidos, dos quais 19 pessoas individuais e nove empresas, o juiz de instrução decidiu mandar para julgamento o ex-primeiro ministro José Sócrates, o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, o antigo banqueiro Ricardo Salgado, todos por crimes económicos e financeiros. O ex-motorista de Sócrates João Perna ficou pronunciado por detenção de arma proibida.
O ex-primeiro-ministro José Sócrates e o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva foram pronunciados por três crimes de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documentos em coautoria (cada um foi pronunciado por seis crimes).
Segundo a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, José Sócrates vai a julgamento por um crime de branqueamento de capitais em coautoria com Carlos quanto à utilização das contas bancárias do Montepio Geral da mulher do empresário, Inês do Rosário, e do recebimento pela mesma de fundos provenientes do marido para entregar ao antigo líder do PS, que a posse das mesmas quantias em 2013 e 2014.
Outro dos crimes de branqueamento de capitais pelo qual ambos os arguidos vão responder em julgamento coletivo diz respeito à utilização das contas do ex-motorista de Sócrates João Perna “como contas de passagem de fundos de origem ilícita provenientes de Carlos Santos Silva” destinados à José Sócrates, operações ocorridas em 2011 e 2014.
O terceiro branqueamento de capitais imputado em coautoria aqueles dois arguidos, amigos de longa data, é relativo à utilização da sociedade RMF Consulting para pagamentos, no valor de cerca de 163 mil euros, entre 2012 e 2014, a favor de António Mega Peixoto, António Costa Peixoto, Domingos Farinho e a sua mulher Jane Krkby de fundos de Carlos Santos Silva, mas pagos no interesse de Sócrates.
Quanto aos três de falsificação de documentos, o juiz Ivo Rosa estabelece também uma relação umbilical entre os dois arguidos e conclui que estes praticaram em coautoria este crime na elaboração de documentos sobre o arrendamento do apartamento de Paris, na Av. President Wilson.
O magistrado deu ainda como provada outra falsificação de documento de ambos os arguidos, relativa aos contratos de prestação de serviços celebrados entre a sociedade RMF Consulting e o professo universitário Domingos Farinho e a sua mulher, Jane Kirkby, bem como faturas e outra documentação produzida ao abrigo dos mesmos contratos, criadas para justificar o recebimento de quantias por este casal vindo de Sócrates.
O juiz considerou que também foram falsificados documentos por ambos em relação aos contratos de prestação de serviços assinados entre a sociedade RMF Consulting e António Manuel Peixoto e António Mega Peixoto, bem como faturas e outra documentação que serviram para justificar que estes últimos recebessem determinas quantias vindas do ex-primeiro-ministro.
O crime de branqueamento de capitais, agora imputado, tem uma moldura penal de dois a 12 anos de prisão, e para o crime de falsificação a lei penal pune o ilícito de um a cinco anos quando for praticado por funcionário (por exemplo, titular de cargo político) e de um a três anos para os restantes casos.
Em relação a José Sócrates, acusado de 31 crimes, o juiz Ivo Rosa considerou que não havia provas suficientes na acusação e que alguns crimes já tinham prescrito para não o levar a julgamento por corrupção passiva de titular de cargo político e fraude fiscal de elevado valor.
Dos 33 crimes imputados a Carlos Santos Silva, o juiz considerou que a acusação não estava fundamentada para o levar a julgamento por corrupção passiva e ativa de titular de cargo político e fraude fiscal qualificada.
O juiz admitiu que as verbas entregues por Santos Silva a Sócrates configuravam o crime de corrupção, mas que prescreveu.
O ex-primeiro-ministro foi ainda despronunciado dos crimes de corrupção passiva relacionados com o Grupo Lena e o empresário e seu alegado testa-de-ferro, Carlos Santos Silva, entre 2005 e 2011, outro entre o ex-chefe do Governo e o antigo banqueiro Ricardo Salgado envolvendo o Grupo Espírito Santo e a PT, e ainda um terceiro em coautoria com o ex-ministro Armando Vara sobre o financiamento pela Caixa Geral de Depósitos do empreendimento Vale do Lobo.
Por seu lado, o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) Ricardo Salgado foi pronunciado por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros, ilícito penal que é punido de um a oito anos quando está em causa “valor consideravelmente elevado”. Na situação de abuso confiança, na forma simples, o Código Penal pune o crime com pena de um a três anos.
Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado por “um crime de abuso de confiança, relativamente a transferência de 4.000.000,00 euros, com origem em conta da ES Enterprises na Suíça para conta do Credit Suisse, titulada pela sociedade em offshore Savoices, controlada por si, em 21 de outubro de 2011”.
Além disso, o ex-banqueiro terá de responder em tribunal por um crime de abuso de confiança relacionado “com uma transferência de 2.750.000,00 euros com origem em conta da ES Enterprises na Suíça, de conta titulada pela sociedade Green Emerald na Suíça, controlada pelo arguido Helder Bataglia, para conta do Credit Suisse, titulada pela sociedade em ‘offshore’ Savoices, controlada por si”.
Por fim, o juiz Ivo Rosa resolveu levar Ricardo Salgado a julgamento por outro crime de abuso de confiança, “relativamente a transferência de 3.967.611,00 euros” com “origem em conta do banco Pictet titulada por Henrique Granadeiro e com destino a conta do banco Lombard Odier titulada pela sociedade em offshore Begolino” controlada pelo ex-presidente do BES.
Na mesma decisão, o juiz Ivo Rosa resolveu não pronunciar Ricardo Salgado pelos restantes crimes de que estava acusado, e que, no total, eram 21.
Assim, não será julgado por crime de corrupção ativa de titular de cargo político, neste caso alegados pagamentos a José Sócrates, relativamente a negócios envolvendo a Portugal Telecom e o Grupo Espírito Santo (GES), nem por dois crimes de corrupção ativa envolvendo Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, antigos presidentes da PT.
Ricardo Salgado também não será julgado por vários crimes de branqueamento, envolvendo outros arguidos, nem por falsificação de documentos ou fraude fiscal qualificada.
Ivo Rosa, durante a leitura de decisão, disse ainda que prescreveu o crime de corrupção passiva imputado a José Sócrates relacionando com atos de interesse de Ricardo Salgado em relação à PT e ao GES (Grupo Espírito de Santo).
O antigo ministro socialista e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Armando Vara vai a julgamento por um crime de branqueamento de capitais, tendo sido despronunciado dos restantes crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.
Como já referido, o crime de branqueamento de capitais tem uma moldura penal de dois a 12 anos de prisão.
Armando Vara deixou de estar acusado de corrupção passiva de titular de cargo político.
O ex-motorista de Sócrates João Perna ficou pronunciado por detenção de arma proibida. Foi despronunciado de um crime de branqueamento de capitais.
Lusa