ÁLVARO MONJARDINO explica que a revisão constitucional de 2004 abriu a porta à legalização da sorte de varas.
A sorte de varas nas corridas de toiros pode ser legalizada nos Açores mediante legislação produzida pela Assembleia Legislativa. A afirmação é do advogado terceirense Álvaro Monjardino.
Na manhã de ontem, intervindo no Fórum Mundial da Cultura Taurina, a decorrer na ilha Terceira, o antigo presidente do parlamento regional explicou que a revisão constitucional de 2004 (que retirou o interesse específico da Constituição) e o Estatuto Político-Administrativo dos Açores (cuja revisão foi promulgada no final de 2008 pelo Presidente da República) colocaram nas mãos dos deputados açorianos essa possibilidade.
Álvaro Monjardino, após a sua intervenção (que versou sobre a evolução da tauromaquia nos Açores e o seu contexto jurídico), adiantou aos jornalistas que “só é preciso vontade política para que a Assembleia Regional legisle sobre touradas picadas.
Considera que o “obstáculo às touradas picadas”, invocado “de forma forçada” pelo Tribunal Constitucional, já desapareceu da lei.
Com o novo Estatuto, existem poderes para legislar sobre os toiros de morte nos Açores, salientou o jurista, considerando que o diploma “neste momento dá para tudo”.
Segundo Álvaro Monjardino – que foi aplaudido pela assistência quando garantiu ser possível o regresso da sorte de varas à praça da Terceira – esta situação, à luz da legislação nacional em vigor, constitui uma contra-ordenação, mas deixou de “ser um crime e por esse facto deixou de ser matéria reservada da Assembleia da República”, podendo ser sujeita apenas a “competência regional” de gestão.
“Espero que não seja necessário que a população entre pelo parlamento dentro para resolver esta questão”, ironizou, referindo-se à possibilidade – expressa no Estatuto dos Açores – de grupos de cidadãos levarem à Horta propostas legislativas.
Questionado se a abertura legislativa permite também a legalização das touradas de morte na ilha, Álvaro Monjardino adiantou que as mudanças na Constituição e no Estatuto “permitem tudo”.
“Embora não seja isso que se está a discutir. Mas está tudo em aberto”, sublinhou.
Peso histórico
Para Álvaro Monjardino, a Festa Brava nos Açores, particularmente na Terceira, assume dimensões consideráveis.
“Com 400 quilómetros quadrados e 56 mil habitantes, a ilha Terceira – e garanto-vos que estou a ponderar muito bem estas palavras – é o lugar do mundo com mais interesse, tradição e vivência da festa dos toiros. É uma tradição com enorme relevo na nossa cultura e maneira de viver. Pena que não tenha maior ênfase”, argumentou.
Para o antigo presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, esse facto, assim como a ocorrência de corridas com sorte de varas na ilha durante uma década, são argumentos válidos para justificar a reintrodução dessa prática.
Segundo o jurista, “na explicação do papel que as touradas têm na vivência popular, deverá ter-se presente que na base da economia açoriana pesa, de há muito a actividade agro-pecuária e as touradas são uma consequência marginal, no caso lúdica”.
Durante a sua intervenção, Álvaro Monjardino, recordou a história da festa brava nos Açores, cujos primeiros registos remontam a 1559.
Durante anos, essa festa ocorreu em várias ilhas, acabando por manter-se com regularidade na Terceira.
Segundo investigador, durante o século XIX, essa tradição viveu maior pujança na ilha.
“Agora, assistimos ao seu regresso às restantes ilhas do arquipélago”, sublinhou.
A melhor praça
Para o presidente da Tertúlia Tauromáquica Terceirense (TTT), entidade organizadora do evento, o regresso da sorte de varas às corridas de toiros da ilha Terceira garantirá que a praça local “será a melhor de Portugal”.
“É importante perceber o peso da projecção internacional que tem o toureio a pé e nesse sentido, a recuperação do primeiro tércio tem de ser uma realidade imediata”, defendeu Arlindo Teles, na abertura do Fórum Mundial da Cultura Taurina.
Para o responsável, as declarações de Álvaro Monjardino são um novo fôlego para a luta da aficion local pela reintrodução da sorte de varas nos Açores.
Em paralelo, Arlindo Teles sublinhou que “os ataques desferidos à tauromaquia resultam da falta de conhecimento e de ignorância exacerbada, acompanhados por uma tendência em adoptar posturas do politicamente correcto que não é mais do que a negação da própria democracia”.
“A corrida de toiros é o espectáculo cultural mais rico que se conhece porque encerra estética, expressão plástica, movimento, cor, rito, representação cénica, ética, respeito, galhardia, valor e emoção”, argumentou Arlindo Teles.
Reclamou, por isso, que “os media e os responsáveis políticos do mundo tenham apenas o mínimo de abertura e coragem para que a festa brava se afirme por isso”.
Questionado sobre o porquê da ausência de deputados regionais na sala, Arlindo Teles adiantou que “foram convidados os parlamentares da Terceira, que declinaram a presença devido ao fórum coincidir com a sessão plenária na Horta”.
“Relativamente à sua ausência da mesa redonda sobre Política e Toiros, a organização – que quis colocar nesse debate políticos com reconhecido gosto pela Festa Brava – entendeu que, para evitar o risco de uma maior ou menor representatividade partidária, que poderia suscitar leituras erradas, não incluir deputados regionais nesse debate”, explicou.
A mesa redonda sobre Política e Toiros decorreu após a intervenção de Álvaro Monjardino.
O Fórum Mundial da Cultura Taurina continua hoje no Auditório do Ramo Grande, na Praia da Vitória, com uma palestra sobre o “Toureio da Cultura” e outra sobre a “Ética no Toureio” e uma mesa redonda sobre a “União dos Aficionados” e outra sobre “Toiros e Ecologia”.
O evento termina sábado, em Angra, com uma mesa redonda sobre “Filosofia, Ética e Estética no Toureio”.
in diarioinsular.com