“Concluímos que a matéria apurada e agora definitivamente fixada por este Tribunal não é suficiente para integrar os elementos subjetivos típicos do crime de condenação ou de outro ilícito penal, pelo que deve a arguida ser absolvida”, lê-se no acórdão, datado de 21 de novembro, a que a Lusa teve hoje acesso.
A médica tinha sido condenada por um crime de ofensa à integridade física por negligência a uma criança, que nasceu em 23 de julho de 2010, com o cordão umbilical à volta do pescoço, apresentando “asfixia grave”, que veio a falecer com “pneumonia de aspiração” e “paralisia cerebral” em 25 de dezembro desse ano.
O Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo tinha condenado a arguida a uma pena de 200 dias de multa, no valor global de 20 mil euros.
A obstetra teria ainda de pagar, em conjunto com o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, várias indemnizações aos pais da criança, num total de 155 mil euros (65 mil euros pela morte do bebé, 10 mil euros pelo sofrimento da criança durante os cinco meses de vida e 80 mil euros pelos danos sofridos pelos pais em virtude da morte do filho).
No entanto, os juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa acordaram “dar provimento ao recurso da arguida” e proceder “à alteração da matéria de facto do acórdão”, revogando o acórdão da condenação e decretando “a absolvição da arguida do crime imputado”, bem como a “absolvição do pedido cível”, dando procedência ao recurso da arguida e do demandante civil (Hospital da Ilha Terceira).
Além da médica e do hospital, também a mãe da criança e o Ministério Público recorreram da decisão para a Relação, pedindo que a condenação da arguida pela prática de crime de ofensas à integridade física fosse “agravada pelo resultado de morte”, mas o Tribunal considerou os recursos “improcedentes”.
O Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo deu como provado que a grávida esteve 35 minutos sem monitorização por CTG (cardiotocografia), aquando da deslocação para a sala de partos, alegando que a médica “não exerceu vigilância fetal alternativa por meio de auscultação fetal direta”, apesar de esta ter dito, na primeira sessão do julgamento, que a enfermeira o fez, não detetando anomalias no batimento cardíaco do bebé.
O Tribunal da Relação de Lisboa alega, no entanto, que “a valoração da prova testemunhal não obedeceu a critérios adequados, acabando o tribunal [de Angra do Heroísmo] por valorar a prova dos assistentes [pais] em detrimento da produzida pela arguida”, bem como pela enfermeira parteira, pelos médicas da especialidade ouvidas, pela pediatra que assistiu a criança e pelo perito do Instituto Médico Legal.
“As declarações dos assistentes apresentam hesitações, contradições e incongruências, que não justificam a maior valoração que o Tribunal lhes deu sobre a valoração científica e técnica dos clínicos da especialidade”, lê-se no acórdão.
Os juízes adiantam que não foi possível “vislumbrar o nexo causal adequado à produção dos eventos ocorridos no nascimento” e que não foi possível “apurar” o que causou a hipoxia do bebé, acrescentando que “não existem relatórios fundamentados em elementos diretos” e que “não foi efetuada autópsia à criança”.
“Não se pode singelamente concluir que a hipoxia do feto foi provocada por má prática médica ou por omissão leviana de alguns dos procedimentos quando não há dados mínimos com o rigor clínico adequado que comprovem essa atuação ou omissão e a sua conexão com os eventos ocorridos”, apontam.
Lusa