“Sou o único afinador nos Açores. A nível nacional somos cerca de 20, mas apenas oito são credenciados, o que nos permite sermos reconhecidos pelas marcas de piano e pelas academias. É uma profissão altamente especializada, minuciosa e de muita paciência”, conta à agência Lusa o faialense, de 40 anos, que se interessou pelo ofício quando estudava piano.
“Entrei com nove anos no conservatório regional da Horta para estudar piano e fascinava-me ver o trabalho do afinador. Queria explorar os sons que estão por detrás do piano e percebi que, se calhar, era isso que eu desejava fazer um dia mais tarde”, revela.
Concluídos os estudos musicais, em 2006 aproveitou uma bolsa do Governo Regional dos Açores para iniciar a formação como afinador de piano, tendo ido, dois anos depois, para a Alemanha especializar-se em pianos verticais e de cauda.
Atualmente, trabalha “com todos, desde que exista um piano”, seja através de deslocações ao exterior ou a partir da sua oficina na praia do Almoxarife, no Faial, tendo rejeitado convites para ir trabalhar para fora do país.
“Escolas, teatros, auditórios, conservatórios e particulares, um pouco por todo o lado. Trabalho com todos, desde que exista um piano. Já fui ao Funchal, ao continente, à Alemanha, Bélgica e Espanha. Grandes pianistas já passaram pelos Açores, muitos deles gostaram do meu trabalho e até me convidaram para ir trabalhar para fora do país”, revela, apontando os nomes de Vladimir Viardo, Pavel Gililov, Oleg Marchev, Mário Laginha e António Rosado, como alguns dos intérpretes com quem trabalhou.
Apesar dos convites, Márcio decidiu ficar sempre no Faial, devido a “entraves pessoais” e à “qualidade de vida”.
“Tenho família e é muito difícil conciliar. Tenho sempre mais qualidade de vida aqui. Se fosse para fora ia ser uma loucura acompanhar os artistas constantemente. É bonito, mas é um bocado agressivo. Existem outros entraves pessoais, como os negócios da família, na área da floricultura e do enoturismo”, aponta.
O afinador de pianos descreve o trabalho como “muito técnico”, mas com “muita arte”, sendo necessário estar em “boa forma física e psicológica”.
“É um trabalho artesanal, que pode demorar várias horas. É muito técnico, mas tem muita arte. Depois de fazer toda a parte técnica, é preciso trabalhar o som. É uma coisa mais pessoal, de gosto, e exige uma boa forma física e psicológica”, assinala.
Nos Açores, revela que tem vindo a “chamar a atenção” para os cuidados a ter na conservação do piano, apontando a humidade como o “inimigo número um” do instrumento.
“Nos Açores, as pessoas já vão tendo mais algum cuidado, mas foi preciso ir chamando a atenção. Uma coisa que me aflige muito é a humidade, que é o inimigo número um dos pianos. São madeiras e cordas de aço, que oscilam com climas húmidos. Por isso, o meu trabalho é um pouco ingrato, porque posso fazê-lo bem, mas se existirem falta de condições, no dia seguinte o piano já está desafinado”, conclui.
Lusa